Visibilidade e política: ser ou parecer?
A admissibilidade do processo de impedimento contra a presidente Dilma Rousseff no domingo (17) representa um substancial e nocivo retrocesso à democracia brasileira. Infelizmente, as identidades dos algozes são ofuscadas pelo tratamento espetacular dado ao ritual político e pelo distanciamento do cidadão da rotina dos mandatos.
Pelas lentes da televisão, foram discutidas regras pouco acessíveis a quem não acompanha especificidade da política. Centenas de deputados se sucederam em discursos pequenos, mas substanciais, a respeito de assuntos pouco importantes para a pauta em questão. Nesta lógica, em que vale mais o que parece ser em detrimento do que verdadeiramente é, são eclipsadas as reais motivações dos deputados federais, os quais vestem o límpido e honrado manto de pais de família, defensores da moral e de princípios religiosos.
A vontade do homem, no entanto, sacrifica os escrúpulos e dá vazão a uma racionalidade pagã. Deputados que vendem a alma a quem paga mais dedicam a Deus seus votos; escravocratas modernos lembram cinicamente a mão calejada de seus servos miseráveis; fazendeiros e grileiros lembram com carinho a dignidade dos agricultores que, supostamente, representam, muitos deles, colonos, que nunca tiveram seu pedaço de chão.
A política fala a linguagem da mídia, e a invisibilidade do Congresso pode ser bastante benéfica diante de um emaranhado de procedimentos por meio dos quais a classe política simula mais legitimidade do que realmente tem. É neste vácuo que se encontra boa parte do Legislativo federal brasileiro, impune juridicamente e nas urnas, dizendo-se defensor de questões postas pelas ruas.
Em meio a um mar de deputados – na sua maioria, homens, cristãos, brancos, vestidos em ternos escuros, com bandeiras indistinguíveis -, urge a dúvida: como pode o cidadão conhecer os atores políticos que se escoram na legitimidade da representação? Felizmente, o dia seguinte ao “sim”, como no caso de Raquel Muniz, reserva surpresas tristes a maridos cândidos.