Filosofia e logomaquia


Por MÁRIO JOSÉ DOS SANTOS - PROFESSOR DA UFJF

23/12/2012 às 07h00

A filosofia ensina que o ser humano é um animal que fala e existe para conviver. Fala porque sabe que pensa, imagina e sente. Porque fala, constrói um discurso sobre a realidade. Esse discurso não está isento de contaminações com elementos negativos, incutidos no indivíduo, por meio da educação familiar e/ou escolar-social-religiosa, na qual esteve mergulhado ao longo da sua vida-história. Aí é que mora o perigo: muito do elaborado é fruto do inconsciente, ali sedimentado, assimilado cegamente, de forma acrítica e inquestionável. É fundamental que cada um de nós, na condição de ser-existente-no-mundo, em momentos privilegiados, examine a sua própria fala, o seu discurso e as possíveis lacunas e distorções.

A realidade, na sua totalidade, objeto de investigação e de interpretações, inclui Deus, o mundo e o próprio homem. Sempre se disse, e se esquece amiúde, que é imprescindível falar a palavra certa, para a pessoa certa, no momento oportuno. Quem entender isso já pode computar meio caminho andado. É fato notório que se fale demais, às vezes, inutilmente, sem pensar nas suas múltiplas consequências.

O ser humano devia valorizar mais o que fala. Não só falar corretamente mas com pertinência e propriedade. Vê-se com frequência falas agressivas, verdadeiras guerras verbais, que não levam a nada, quando muito à destruição de algum relacionamento, produzidas pela imaturidade, pela falta de preparo, de paciência e de reflexão. Esquece-se de que a fala é o mais importante instrumento do diálogo, da comunicação e do entendimento. Deve veicular sempre a verdade, construindo pontes que aproximam e ligam, e não muros que separam.

O discurso que se vai construindo sobre a realidade vem carregado de princípios e de valores. Nesse aspecto, é fundamental que se redobre o cuidado no sentido de que o mesmo seja guiado pelo crivo de uma razão esclarecida, vacinada contra os desvarios de convicções gratuitas e malformuladas. A inteligência instrumentalizada em função do domínio e os interesses contrariados, normalmente, provocam a doença da fala. Princípios e valores só são autênticos se objetivos, transculturais, universais e permanentemente coerentes. Trilhar outros caminhos é ter sua visão encurtada e ficar sujeito a produzir longas e intermináveis logomaquias em proveito próprio. E isso é fruto da falta de cuidado e do desalinho interior.

Felizmente, qualquer pessoa sadia, na qual pode emergir a qualquer momento o bom-senso, tem a chance de se reorganizar, no instante em que consegue visualizar a tênue linha divisória entre a autenticidade do fato e a sua interpretação desajustada. Quem não está enxergando bem procura, imediatamente, um oftalmologista. Ao contrário, quando se trata da visão interior distorcida, nem sempre isso merece o mesmo zelo. É essa fala que possibilita ou inviabiliza a convivência saudável entre os seres humanos. Se alguém não percebe a falta de sentido no conviver sob ressalvas e reservas, é melhor pedir a Deus a mudez, para manter-se insulado na própria indigência e não prejudicar outro que não seja a si próprio. A palavra é o dom mais precioso que o criador colocou a nossa disposição e negou aos animais. Colocá-lo a serviço da mentira, da arquitetura do mal ou para disseminar o ódio e o desentendimento entre pessoas é um acinte ao criador e um contrassenso inaceitável. Lembre-se: loquacidade não significa, necessariamente, sabedoria. A palavra deve ser pele, e não apenas vestido de festa.

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