Graziele: mulher, negra, cidadã!
Graziele Campos mora em Juiz de Fora, é estudante e, além de sua inescapável condição feminina, há outro aspecto essencial à identidade dessa jovem: ela é negra!
À sua condição de mulher e de negra, Graziele faz questão de acrescer – com plenas razões – dois atributos que lhe parecem irrenunciáveis: ela tem consciência de seus direitos e exige respeito à sua dignidade como ser humano.
Foi na qualidade de cidadã que essa mulher negra, corajosamente, publicou a situação que vivenciava em suas redes sociais, sendo amplamente divulgada pela imprensa a drástica e dramática experiência por que passou: foi vítima das ações covardes de um homem que, valendo-se de um perfil falso nas redes sociais, atentou contra sua condição de mulher e de negra.
A incomum brutalidade do criminoso fica desde logo patente no expediente por ele adotado: ele postou fotos dela (Graziele) ao lado de mulheres brancas e fez comparações entre elas.
O ódio racista desde logo se revela, fala aos nossos olhos e grita à nossa consciência pelo teor das palavras do agressor de Graziele: “Macaca, preta, suja, usa drogas e só serve para sexo”!
Ninguém, em sã consciência, deixará de ver nessas palavras o substrato de barbárie e de sordidez que impregna o discurso racista, cujo traço mais emblemático, a nosso sentir, radica na tentativa de desumanizar a pessoa de Graziele, seja reduzindo-a à condição de animal, seja subvertendo e negativando a cor da sua pele (“preta”), seja relacionando a isso tudo um qualificativo amesquinhador (“suja”). Por fim, a intenção de impingir um estigma à vítima fica expressa com a referência “usa drogas”!
Não bastassem esses “qualificativos”, o criminoso explicita ainda mais seu propósito racista ao dizer que Graziele “só serve para sexo”, expressão que aponta não somente para a desumanização da vítima, mas também para a sua instrumentalização, sua coisificação, sua redução à simples condição de objeto a serviço do prazer do homem, nesse ponto restando presente o que há de mais nefando na fala do agressor de Graziele: convergência entre racismo e machismo, sórdidos subprodutos da nossa herança escravagista-patriarcal!
Mas há outro aspecto, na fala do criminoso, que não pode passar despercebido e que escancara, a mais não poder, o que há de grotesco e de infame no racismo e expressa o seu quantum de intolerância e de violência. Eis o trecho: “Lugar de preto é no tronco e levando chicotada. Volta para a África”!
O Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, que a prática do crime de injúria racial (previsto no Código Penal) constitui um tipo de prática de racismo e, por isso, não está sujeito a prescrição (o transcurso do tempo da prática do crime não impede o Estado de punir o autor desse crime) e não admite o pagamento de fiança (que é a possibilidade de alguém que praticou o racismo poder pagar determinada quantia em dinheiro e responder ao processo em liberdade).
Ao assim decidir, o Supremo Tribunal Federal estava julgando um caso ocorrido em 2013, em Brasília, quando uma senhora foi condenada por ter ofendido uma trabalhadora negra, frentista de posto de gasolina, chamando-a de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”!
Seja como for, cumpre reagir, cumpre acreditar que o Direito tem um papel-chave nesse combate, cumpre dar concretude à esperança de Graziele, que, em meio ao tormento e ao sofrimento por ela enfrentados, expressou uma convicção: “Ainda acredito na Justiça”!
Nós também acreditamos.
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