O mendigo e a úlcera venosa
Há anos, conheci um mendigo, um pouco obeso, que tinha esta tal ferida na perna e também nos pés. Tal doença surge por uma incompetência das veias das pernas em levar o sangue para cima. A doença está relacionada, principalmente, a uma tendência genética. Entretanto, esta dificuldade irá se manifestar mais precocemente em indivíduos sedentários, obesos ou que permanecem longos períodos em pé ou sentados.
Disse para ele: você, tão novo, com uma vida inteira dentro de você, fica aí sentado a pedir esmolas? Ele prontamente me respondeu que, se as tais feridas fossem curadas, as moedas mendigadas cessariam, e como ele iria então sobreviver? Ofereci ajuda. Mostrei a ele que o ajudaria no que fosse preciso e que, para tratar qualquer ferida ou machucado, seja ele exposto ou não, demoraria algum tempo e também doeria muito, mas era para que ele não desistisse. Eu o ajudaria e, após a cura, ainda dava a minha palavra de que arrumaria um trabalho para ele.
Dito isso, ele concordou prontamente. Começamos pelo hospital, que aqui, em nossa região, foi até fácil de conseguir naquela época, há uns 20 anos. Foi muito difícil curar as feridas, como de fato é difícil tratar qualquer uma, desde o ralado do tombo até as depressões da nossa atualidade. Dói! O sujeito reclama, tenta fugir, porém, há de ter muita determinação para prosseguir. O machucado, a ferida ou a dor sempre tendem a voltar.
O tratamento não era tão simples. Consistia em emagrecer, andar (como andar com as feridas na perna e no pé?), usar meia de compressão, antibióticos e cremes. Mas, depois de alguns anos, o mendigo, que se chama José, estava curado. Arrumei um trabalho para ele, e o mesmo gostou. Enfim me despedi, e, quando olhei para trás para dar a última olhada no cara, ele ainda tinha emagrecido. Imaginei: fiz uma boa ação…
Depois de alguns anos, infelizmente, encontrei-o em uma maca no corredor da central de reservas do SUS, sendo examinado por uma pessoa estranha. Logo lhe perguntei: e aí, José, o que houve? Ele prontamente se abriu, chorando: Carlos, eu trabalhei pouco mais de dois anos naquela empresa à qual você me indicou. Mas percebi uma coisa: eu não gosto de trabalhar, e isso é genético. Meu pai era assim, meus avôs, também, e os avôs dos meus avôs, também. Com a demissão, recebi um bom dinheiro na rescisão, com mais os benefícios do Governo juntei às economias das esmolas e fiquei à toa, sem trabalhar.
E, o que foi pior, engordei tudo de novo e mais um tanto. Ficava bebendo o dia todo e tornei-me um alcoólatra! As feridas voltaram e estão muito piores. Agora, diferentemente daquela época do INPS, está muito difícil de arrumar vaga nos hospitais para me tratarem, e é bem capaz, como me disse aquele doutor ali, de me amputarem a perna. E eu prontamente respondi: e agora, José?