Rodízios de abastecimento


Por BRUNO CARLOS MEDEIROS

20/11/2014 às 07h00

Graças ao seu estabelecimento quando consequências mais extremas tornam-se iminentes, uma notória contradição inerente à boa parte das políticas provisórias – aquelas instituídas a fim de amainar, de maneira urgente, os efeitos negativos de certas adversidades – é o seu próprio caráter transitório. O rodízio de abastecimento de água, reflexo da estiagem que de forma histórica insistentemente atinge quase a totalidade do território brasileiro, contrariando o esperado, encontra boa aceitação por parte dos juiz-foranos e bem poderia tornar-se permanente.

Trata-se de um dos raros casos em que, ao distribuirmos as culpas, podemos, antes de maldizermos a indiscutível omissão do Poder Público de não trabalhar maneiras concretas de serem evitadas circunstâncias indesejadas, assumir a responsabilidade de alguns dos nossos desnecessários hábitos. O consumidor consciente, afinal, inquieta-se e indigna-se com as comuns cenas de mangueiras ligadas sobre calçadas e automóveis.

Na presença de tantos desperdícios, a lembrança imediata é a de meu falecido avô, que, com perspicácia quase profética, improvisava maneiras de aproveitar todas as sobras de água que restavam nas canecas e nos vasos de sua casa. “É o nosso bem mais valioso”, sentenciava, em contraponto ao que determinam os deturpados parâmetros da sociedade, que medem os valores de nossos bens através da quantidade de dinheiro necessário para obtê-los, não de sua utilidade. Os transtornos das estiagens, afinal, são consequência da estupidez com que lidamos com as torneiras, resultado da interferência quase nula no bolso dos consumidores perdulários, o mais eficiente aliado da prudência e da mudança de hábitos.

O racionamento, portanto, ainda que, a priori, temeroso, é oportuno para que identifiquemos lapsos no nosso trato com a água e para que, no futuro, não sejamos iludidos por discursos que garantem períodos de 30 anos de abastecimento, promessa que coroou a inauguração da nova adutora de Chapéu D’Uvas e que se mostrou falaciosa com o imediatamente posterior início dos rodízios. A antipática surpresa, para o nosso consolo, se esvai à medida que nos adaptamos à realidade: necessitamos de menos água do que exigem nossos hábitos. A manutenção da política de revezamento, ao estimular o uso prudente do nosso bem mais essencial, lança luz sobre outra realidade – esta, sim, inquietante: a finitude da água potável. Por sorte, ainda podemos agir.

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