Olho vivo?


Por BRUNO CARLOS MEDEIROS, JORNALISTA E ESCRITOR

20/02/2015 às 07h00

Gestores públicos tradicionalmente lançam mão de estatísticas para relativizar os fracassos de suas políticas, sempre amparados por números que destacam o predomínio dos êxitos que delas decorreram. Mesmo que um mínimo de razoabilidade seja o suficiente para reconhecermos que a imprevisibilidade do acaso impossibilita que os 100% de sucesso sejam alcançados na maior parte dos confrontos, não é desmedido admitirmos que o cerco se fecha às justificativas, quando entra em campo o reforço de um mecanismo como o adotado pelo projeto “Olho vivo”.

Trata-se de um programa cuja ineficácia é pouco factível, tanto por possibilitar que providências sejam tomadas, tão logo movimentações atípicas sejam observadas, quanto por aplacar a audácia dos criminosos, já que os frutos instantâneos do “Olho vivo” evocam a ideia do panóptico, um conceito de prisão que impede que os encarcerados avistem o responsável por sua guarda, o que inibiria comportamentos repreensíveis, mesmo com a guarita às moscas. Similarmente, parte dos resultados do programa corresponde aos que estariam assegurados caso as centrais de monitoramento estivessem vazias.

Nos locais contemplados, as estatísticas propaladas pelo Governo do estado apontam um decréscimo de crimes contra o patrimônio que varia entre 30% e 40%. Uma boa e bem-vinda notícia, mas que não explicita a parte que cabe à contrapartida policial, é a cota da simples presença das câmaras, nem sequer em que circunstâncias é aceitável que um monitoramento ostensivo, em tempo real, se renda aos fiascos – os 60% ou 70% restantes -, além de não esclarecer por que motivos estes escapam das vistas do efetivo designado para solucioná-los.

Apesar da leva de desfechos bem-sucedidos alcançados com sua implantação, é inevitável que questionamentos afins ganhem impulso após os recentes arrombamentos que a estrutura do programa não foi capaz de impedir e que descortinaram suas graves deficiências: a falta de sintonia entre as atribuições de cada membro da equipe ou uma possível insuficiência de efetivo para executá-la de forma satisfatória. Ainda que ambas as proposições não se confirmem, é aviltante que criminosos se fartem do patrimônio alheio sem que sejam incomodados, mesmo quando todo um aparato de vigília aponta para a execução de suas farras. No balanço dos resultados do programa, não há saldo positivo. E, neste momento, não há estatísticas capazes de nos resgatar do descrédito.

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