O tempo não mata o passado


Por Jorge Sanglard, jornalista, pesquisador e gerente do Departamento de Acervo Técnico do Museu Mariano Procópio

18/09/2018 às 07h00- Atualizada 18/09/2018 às 07h52

Ao reunir peças do século XVIII ao início do século XX, o Museu Mariano Procópio expõe 21 relógios do acervo do primeiro museu de Minas, na Galeria Maria Amália. Entre os relógios expostos, ganha destaque um que pertenceu ao imperador dom Pedro I e ficava originalmente no Palácio de São Cristóvão, residência da família real no Rio de Janeiro. A mostra integra a programação da 12ª Primavera dos Museus, e a visitação é gratuita e acontece de terça a sexta-feira, das 10h às 17h.

O passado, segundo o memorialista Pedro Nava (5 de junho de 1903 – Juiz de Fora – 13 de maio de 1984 – Rio de Janeiro), fica computado, fica gravado dentro de nós absolutamente intacto. O passado aparece com tudo de bom, com tudo de ruim, com tudo que nos agrada e desagrada quando é reescrito. Usando um argumento forte, Nava revelou que, quando o passado é reescrito, é que ele é um pouco anulado. E explicou: “Nós aniquilamos um pouco o passado com esse aspecto catártico que tem a escrita. Mas para fazer isso é preciso sofrê-lo de novo. É retomar a vida outra vez e padecê-la outra vez”.

E Nava revelou, nessa histórica entrevista concedida pouco antes de sua morte, como fez as pazes com certas pessoas através de sua literatura: “Eu tenho esquecido certas coisas que eu tinha completamente vivas dentro de minha memória depois que as pus por escrito. Depois delas escritas, desapareceram certas datas, certas pessoas. Certos aborrecimentos que eu tinha com determinadas pessoas desapareceram completamente. Eu fiz uma espécie de pazes com muita gente através da minha literatura um pouco vingativa sobre algumas pessoas que me desagradaram”.

Ao ser questionado, na referida entrevista, sobre o que constaria no último volume de suas memórias, Pedro Nava revelou, irônico: “Será quando eu morrer, é o que vão contar: ‘Faleceu na data de hoje o autor dessas memórias, deixando-as nesse ponto'”. E não deixou dúvidas quanto ao assunto: “Eu vejo isso da seguinte maneira: a memória é uma coisa inextinguível. Nós acabamos, mas a memória acaba conosco também, e acaba interrompida, porque tudo é interrompido, a vida é interrompida também. São coisas que estão fora de mim. O que está dentro de mim acaba comigo. O fim das minhas memórias é o fim da minha atividade material. O meu ciclo se encerra, acaba. A minha vida acaba naquele momento, de modo que um relato de memória não tem fim”.

E Nava arremata fulminante: “Qual foi a memória que teve fim? Foi o livro do Proust, por exemplo, porque ele acabou, ele fez um ciclo de uma sociedade. Ele tinha como plano aquilo, e não escrever memórias. Ele foi um memorialista, mas fez principalmente o romance dele onde há 70% de memória. Mas tinha um fecho, ele tinha de acabar aquilo de uma maneira… E acaba terrivelmente, ele acaba sem acabar, ele solta o indivíduo no tempo. A última palavra que ele usa é Tempo, com ‘tê’ maiúsculo”.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.