Uma amiga do Brasil
Em casa! Em Juiz de Fora, mas em plena Alemanha. Foi assim que me senti ao visitar em Bonn, no dia 17 de setembro, a senhora Dora (Dorli) Schindel. Simpática, mas desconfiada (como uma boa mineira, mesmo que apenas de coração!), Dorli me olhou pela primeira vez e logo perguntou, em alemão, quem eu era. Quando Paula Katzenstein, nossa amiga em comum, disse meu nome e de qual cidade eu vinha, ela exclamou, várias vezes, cheia de contentamento: “Rita aus Juiz de Fora!” (em alemão, “Rita de Juiz de Fora!”). Com um sorriso encantador, pegou-me pelo braço e me levou até a biblioteca da sua casa, onde conversamos por mais de três horas, ora em português, ora em alemão. Poderia ser apenas mais uma entrevista que eu fazia, mas essa foi muito especial. Dorli foi assistente e companheira, por mais de 40 anos, do prof. Hermann M. Görgen, o alemão responsável por salvar 45 adultos e três crianças do regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Em 1941, sem se importar com a sua própria segurança, Görgen organizou um grupo formado por pessoas perseguidas por razões sociais ou políticas e, usando toda a sua habilidade intelectual, conseguiu que todos se salvassem, embarcando às pressas no navio espanhol “Cabo de Hornos”.
Ao chegar ao Brasil, o grupo de Görgen seguiu para Juiz de Fora – cidade do interior da qual nunca tinha ouvido falar. Esta história surpreendente será contada no livro “Os refugiados de Görgen”, que o historiador Roberto Dilly e eu estamos escrevendo.
Relembrar a terra que trouxe abrigo seguro em um momento tão conturbado foi o motivo da alegria imediata de Dorli ao me ver. Conversamos sobre a cidade, e ela, lembrando com carinho daqueles dias, me perguntou se algumas lojas e instituições ainda estavam em funcionamento, ressaltando a Academia de Comércio.
Curiosa foi a história sobre a primeira vez em que ela e os membros do grupo de Görgen viram um prato de feijão. As refeições eram feitas no restaurante Gato Preto, e aquele alimento escuro no prato logo causou estranhamento. O suíço Schlittler, proprietário do lugar, explicou o que era, mas eles se recusavam a provar. Quando, por fim, cederam aos argumentos, todos se encantaram com a iguaria brasileira!
Tamanho foi o sentimento de gratidão do professor Hermann e de Dorli a Juiz de Fora, e estes, durante toda a vida, trabalharam em prol da cidade e do Brasil. Retornaram à Alemanha em 1954, mas nunca se esqueceram da terra que os acolheu. Görgen e Dorli dedicaram-se à melhoria e à intensificação das relações entre a América Latina e a Alemanha, de forma especial, com a fundação da “Sociedade Brasil-Alemanha” (Deutsch-Brasilianische Gesellschaft) em Colônia, na Alemanha. Para nossa cidade, conseguiram, entre outros, recursos financeiros para a Santa Casa de Misericórdia e o Centro Cultural Pró-Música e auxiliaram na criação da orquestra Filarmônica.
Para mim, como jornalista e moradora de Juiz de Fora, esta entrevista foi uma ocasião única, uma oportunidade de conhecer um ser humano extraordinário e de vivenciar um importante momento da nossa história. Neste ano, no dia 16 de novembro, Dorli completa 100 anos de vida, boa parte deles dedicada ao nosso país e à nossa “Princesa de Minas”. Diante de uma data tão significativa, só posso dizer: parabéns, minha querida Dorli, e muito obrigada! Juiz de Fora se orgulha de ter acolhido vocês!