Brega & chique


Por DÉBORA FAJARDO, JORNALISTA

14/05/2015 às 06h00- Atualizada 19/05/2015 às 10h05

Os filmes, as histórias em quadrinhos e os desenhos animados já nos convenceram: é chique levar maçã para a professora. A imagem da(o) menininha(o) entregando o pomo para a mestra é recorrente; habita o imaginário popular e o senso comum. A banana, ao contrário, fruta típica da nossa terra – riqueza preciosa dos trópicos -, tem baixa cotação no mercado simbólico. É frequentemente associada a macacos e usada como instrumento de ofensa quando é atirada diante dos nossos jogadores de futebol nos gramados europeus.

Os sociólogos Peter Berger e Thomas Luckmann destacam a importância do universo simbólico nos grupamentos humanos em sua obra de referência “A construção social da realidade”. Através desses autores, compreendemos que o homem cria um ambiente social, cujas regras ele mesmo produz, mas depois experimenta esse mesmo mundo como se fosse dado por uma ordem superior ou sobrenatural, emanação da vontade divina. Assim, o homem constrói valores passíveis de transformação, conforme as épocas, mas teimosamente insiste em apregoá-los e transmiti-los como se fossem eternos.

Em conversa com um amigo agrônomo, ele enfatizava – com seu jeito “caipira”: “se a mandioca fosse planta nativa dos Estados Unidos, em festa de ‘bacana’, só ia dar farinhada; tapioca e cuscuz iam ser pratos de gente fina”. Contou ainda sobre como o melão ganhou espaço em mesas requintadas. Brasileiros ricos iam à Europa, tempos atrás, e queriam saber de onde vinha aquela fruta doce e suculenta. Foram informados de que era proveniente do sertão brasileiro.

A colonização cultural, fenômeno exacerbado nas últimas décadas pela evolução tecnológica e pelas possibilidades de alcance imensuráveis dos meios massivos, muitas vezes, coloca uma espessa capa sobre as possibilidades e recursos reais que os povos dispõem em suas próprias terras e culturas. No caso brasileiro, faltam políticas públicas efetivas e informações eficazes para resgatar e socializar o que temos de bom por mérito e por direito. O urucum, planta fértil em nossas matas, fornece o melhor dos corantes naturais. No entanto, as indústrias alimentícias primam pelos corantes artificiais, que rendem lucros assombrosos às multinacionais, mesmo com todos os efeitos nocivos que provocam na saúde humana.

O pinhão, símbolo do Paraná, fruto tão caro às memórias e histórias do povo das terras “frias”, tem sido usado para produzir uma excelente farinha que substitui com vantagens o trigo. Divulgada pela comunidade vegana – os vegetarianos que não consomem derivados animais -, a farinha de pinhão é uma promessa para os produtores e consumidores de alimentos sem glúten. Ela tem a vantagem adicional de fornecer a “liga” necessária aos produtos sem glúten. Fossem japoneses ou norte-americanos a ter esse fruto em suas terras e ele já ocuparia lugar top no mercado mundial.

Maçã não é chique. Banana não é brega. O valor simbólico de plantas, produtos ou de um povo somos nós que damos. O melão, o urucum e a farinha de pinhão comprovam a riqueza da terra abençoada que temos. Tomemos posse dela. Somos mais. Somos brasileiros.

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