Alzheimer patrimonial
Em 1941, o presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei 3.866, que instituiu a figura do destombamento de itens constantes dos livros de tombo do Iphan. O motivo foi a construção da Avenida Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, como uma plataforma em linha reta para desfiles cívicos e militares. No caminho do projeto estavam o Campo de Santana (1873) e a Igreja São Pedro dos Clérigos (1733), uma joia barroca de planta circular, verdadeira raridade, que, segundo técnicos do patrimônio, poderia ser removida.
A operação de tombamento envolve operações complexas, a começar pela escolha dos bens, que deve recair sobre os que preenchem as qualidades significativas e representativas dos valores da nação, do estado, da cidade. A referência é a respectiva história, que costura a narrativa para a ação dos técnicos responsáveis pela consagração.
Bens patrimoniais, por isso mesmo, estão sujeitos aos processos de correção de danos em sua integridade pelos mecanismos de reforma, restauro, revitalização e requalificação. O destombamento é a sua morte simbólica, que pode ser abrupta, pelo termo legal, ou gradual, à medida que vai morrendo aos poucos, deixado à míngua pelo descaso e outros interesses nocivos. Uma, irreversível; a outra, não.
No caso do estádio do Sport Club Juiz de Fora, trata-se de um complexo esportivo construído sob os auspícios principalmente do futebol. E foi o futebol que protagonizou seus maiores momentos, e não é à toa que a arquibancada, item maior do conjunto, é ao mesmo tempo sua maior referência, além do campo para o qual foi construída. A sugestão de retalhamento é mutilação que fere de morte a leitura do conjunto em tempos em que o Iphan já aprovou a chancela de paisagens significativas (Portaria 127/09), justamente pelo entendimento mais atual dos benefícios auferidos na relação das pessoas com sua ambiência natural e afetiva.
Além da questão cultural, o Estádio José Procópio Teixeira, assim como o terreno do Tupi na Calil Ahouagi, são áreas que guardam uma ambientação mais agradável, que integram a paisagem central à visada dos morros da poligonal orgânica da cidade. Assim, representam um potencial a ser explorado enquanto plataforma de atividades de um urbanismo voltado para a cidadania, tendo em vista não existirem parques na área central. E inclusive desenvolver atividades permanentes num calendário que pode gerar empregos pela atração de público local e da região. Daí, saúde, educação e o desenvolvimento de atividades econômicas integradas ao lazer e ao bem-estar.
No momento em que se discute o Plano Municipal de Cultura, os envolvidos poderiam tomar uma atitude prática e encampar a defesa do patrimônio simbólico, que não é apenas dos associados, mas geral. Como exemplo positivo, o episódio do Espaço Mascarenhas. Como negativo, uma série significativa de apagamentos, lacunas, vazios, que acometem a memória local de um tipo específico de Alzheimer.