Sobre o ocorrido


Por Isabela Monken Velloso, professora e pesquisadora do Instituto de Artes e Design da UFJF

12/09/2018 às 07h00

Juiz de Fora estava em todos os jornais: a cidade presenciou um ato de forte violência envolvendo um dos candidatos à Presidência. Não se tratava de uma notícia enobrecedora para a cidade, universitária e celeiro de grandes poetas, artistas e pensadores, a quarta mais populosa do estado, que acolhe cerca de 563 mil pessoas. Muitos de seus habitantes estavam, inclusive, trabalhando no horário do ocorrido e foram surpreendidos por uma notícia que não é normal. Um ato de violência nunca será normal.
Rapidamente, as redes e a imprensa registravam o fato. Este, por sua vez, não acontece isoladamente: há, ali, uma rede humana envolvida. E a polifonia de vozes estava representada na reportagem de 7 de setembro deste jornal, produzida por uma equipe de jornalistas. Ali estavam contemplados: a vítima, o agressor, partidários, profissionais diversos e muitas outras pessoas que presenciaram a ocorrência ou o seu desenrolar, tanto trabalhando no Centro da cidade quanto nas unidades de saúde naquele horário; ou outras, em luta pela vida, tratando dolorosa e/ou emergencialmente de suas próprias enfermidades ou de seus familiares nos hospitais mencionados.

Os jornalistas narraram, assim, o imenso contingente de histórias humanas e, certamente, as mais diversas que constituem uma vivência pessoal ou coletiva, no caso aquela, de um crime com grande repercussão entre todos. Não é aceitável o que aconteceu. Por quê? Porque a violência, física ou psicológica, não pode ser permitida, é um signo de morte e de ruína do que há de melhor em nós: nossa tão buscada sensibilidade.

Fiquei imaginando os outros, igualmente, lamentáveis incidentes de violência que não geram tantas notícias. E, ao pensá-lo, não pude me furtar a ver o óbvio: a imensa reunião de vidas humanas, simbólicas e culturais que, em sua salutar e desejosa multiplicidade, são acolhidas numa representação político-pública da nação: esse corpo heteróclito de vidas, honrosamente humanas, descrito pelo pensador Homi Bhabha como espaço dialógico de ponte, uma passagem que atravessa. Vemos, assim, a enorme responsabilidade retida ou acolhida nas mãos daqueles que irão em outubro decidir rumos importantes da vida nacional e, por isso mesmo, serão, sim, certamente, sempre muito noticiados, como figuras públicas ou candidatos a um cargo tão expressivo.

Sobre o signo de morte, a violência, essa antítese do cuidado e da delicadeza, lembrei-me do fotógrafo Bernie Boston (1933- 2008) e de sua icônica imagem do fuzil e da flor, num protesto pacifista em Washington. Ali não se sabe quem teve a ideia mais feliz, o manifestante que desarmou a violência com a ternura ou o fotógrafo em tornar aquela cena um imaginário mundial de paz.

Nestes próximos dias, lancemos nossos olhares para presidenciáveis e para a imprensa, para atentarmos como estão gerindo o imaginário e a sensibilidade da nação, local de passagem e que deve nos atravessar, num coro coletivo, polifônico e polimórfico, com a mesma delicadeza das flores e os ventos gentis da liberdade.

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