‘Eu queria ter um banheiro’


Por Walber Gonçalves de Souza, professor e escritor

11/12/2018 às 07h00

Estranho o título deste texto, mas, bizarramente, é um fragmento da fala de uma idosa brasileira ao discorrer sobre como viveu toda a sua vida em um barraco sem uma infraestrutura mínima. Ainda segundo ela, suas necessidades fisiológicas, bem como as de sua família, eram feitas em áreas baldias ou em sacolas.

O pior é que esta situação, que se soma a tantas outras, não é uma mera e simples exceção. Ela representa, segundo as mais recentes informações do IBGE, cerca de 55 milhões de brasileiros. Isso mesmo que você leu: cerca de 55 milhões de brasileiros vivem na pobreza extrema. Para piorar a situação, deste montante, aproximadamente 13 milhões vivem na linha inferior à pobreza. Resumindo: absurdamente, ainda não podem ser considerados pobres.

Os dados apresentados pelo IBGE, infelizmente, não apresentam novidades, pelo contrário, só reforçam nossa índole excludente, refletem como nossas políticas públicas são fracassadas, como os nossos políticos são mesquinhos e maus gestores, como nossas instituições fingem cumprir seus papéis, enfim, como continuamos a ser uma das nações mais ricas do mundo, mas que não consegue transformar esta riqueza em qualidade de vida para os seus convivas. Uma sociedade de corruptos e corruptores.

E não nos iludamos com os desumanizados 55 milhões de brasileiros, pois, se somarmos a eles os demais que ganham até um salário mínimo, que é um salário abaixo de qualquer possibilidade de dignidade, a que retrato social do Brasil chegaremos?

Dizem que as mudanças nascem da base, do povo. Às vezes me pego pensando até que ponto é verdade tal afirmativa. Um povo faminto, moribundo, sem sonhos, sem expectativa, sem estima, sem tudo aquilo que possibilite enxergar a própria existência e, a partir dela, tecer uma análise social, conseguirá ter “forças para lutar”?

A fome e demais mazelas dela provenientes abrem portas para o explorador, para o lacaio, para o usurpador, para o malfeitor travestido de bonzinho; abrem portas infinitas para a ciranda da miséria que se perpetua para o bel prazer daqueles que simplesmente se aproveitam e que são indiferentes ao sofrimento alheio.

Percebo que, no Brasil, não se quer mudar a cultura da pobreza, mas, pelo contrário, querem alimentá-la, transformando-a em orgulho, como se viver assim fosse a melhor coisa do mundo. Basta observar as maquiagens sociais que insistem em tapear e vangloriar a miséria. Como diria o trecho de uma música: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela em que eu nasci”.

Combater a injustiça, a fome, a miséria, transformar os locais inóspitos em locais onde seja possível viver dignamente, entre tantas outras coisas, isso, sim, deveria ser nossa maior bandeira. Um país rico é um país em que o povo vive com dignidade, vive realmente como um ser humano e que se reconhece como tal. O contrário não passa de um engodo cruel, uma mentira selvagem e um pesadelo sem fim.

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