Crianças adultas


Por CARLOS MAURÍCIO DE M. R. PEREZ Colaborador

11/10/2013 às 07h00

Se existe alguma ciência de que o homem realmente necessita é aquela que eu ensino, de como ocupar adequadamente o lugar da criação designado para o homem, e como aprender com ela o que se deve fazer para ser homem – Immanuel Kant (1724 – 1804). Kant insere, logo no princípio da frase, a palavra necessita, expressão que estão nos ensinando a esquecer, apesar de vivermos quase todos sob o preceito deste grande filósofo. Esquecemo-nos que a filosofia (a mãe de todas as ciências) é essencial no aprendizado de nossas crianças. Todavia, hoje, ela não é mais lembrada por nós, tampouco pelos pedagogos e muito menos pelo MEC, que chega a relegá-la a um curso superior de apenas três anos, quando o ideal seria ministrá-la desde o ensino fundamental.

Como aprender o significado de nossas vidas se vivemos preocupados com o imediatismo das possibilidades? Como fazer com que nossas crianças voltem a ter os desafios saudáveis das necessidades se o que nos ensinam é que a necessidade é um estado interno de insatisfação, causado pela falta de algum bem necessário para o bem-estar? O que tenho percebido é que estamos nos tornando uma sociedade de dependentes, extremamente previsível e pasteurizada. O que, aliás, é como já vivemos na atualidade e imperceptivelmente repassamos isto aos mais jovens. Já perceberam a quantidade de crianças que rivalizam com os adultos nos consultórios de psicanálise?

O adulto moderno carrega em si um resto de adolescência mal resolvida. É como se, para se chegar a ser um adulto de verdade, ainda faltasse um gesto de rebeldia que não foi feito na sua juventude. Temos que nos redirecionar para podermos, enfim, vivermos na necessidade, sem os perigos das possibilidades infinitas. A necessidade nos preenche, e a possibilidade realizada nos esvazia. Elas se opõem, mas ao mesmo tempo se completam, como tudo na vida.

Nas vésperas do Dia das Crianças, foi noticiado que a melhor universidade do Brasil, a USP, caiu no ranking das universidades do mundo. E, para piorar, temos aqui somente duas universidades neste ranking. A outra é a Unicamp, e, para termos uma exata noção de nosso atraso, a USP está na 226ª colocação, e a Unicamp está na 350ª colocação.

Sören Kierkegaard (1813-1855), um filósofo dinamarquês, pautou grande parte de seus estudos na prioridade da realidade humana (o mundo da necessidade opressora, interna e finita), se contrapondo em relação ao pensamento abstrato (o universo da possibilidade apavorante, externo e infinito). Não seria a hora de refletirmos sobre quais as reais necessidades que proporcionamos às nossas crianças? Parece-me que elas são educadas, de uma forma equivocada, somente para viverem no bem-estar, quando, na verdade, devemos pensar se é realmente possível proporcionarmos a elas este estado de bem-estar ilusório.

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