Moro, Dallagnol e o direito da igualdade de tratamento
Muito tem se debatido na mídia acerca de eventual afronta ao princípio jurídico da imparcialidade do então juiz Sérgio Moro ao manter supostas e alegadas conversas reservadas com o procurador da República, Deltan Dallagnol, através do aplicativo Telegram. Destaca-se que nenhum dos interlocutores envolvidos nega ter havido conversas privativas de conteúdo profissional e até mesmo admitem as conversas ao argumento de que não se lembrariam de todo o conteúdo. Aduzem, contudo, se tratar de prova “ilícita” e da necessidade de haver perícia.
Na realidade, os fatos arguídos não se tratam unicamente de debate sobre a obtenção e meios de prova (se admitidas), e se foram de forma legal. Há uma admissão, ao menos implícita, de que havia um diálogo recorrente por um aplicativo que todos julgavam de “alta segurança” (Telegram). A pergunta inicial que se faz é por qual motivo os interlocutores estariam tendo conversas em um aplicativo que se supunha “privativo e seguro”. Ademais, o princípio da imparcialidade do juízo, que tanto se debate nesse assunto, se estaria ou não quebrado, embora seja um princípio do Estado democrático de direito, é muito mais difícil de se provar do que a eventual quebra do direito de igualdade de tratamento entre as partes de um processo.
Está disposto no art. 139, I do Código de Processo Civil, que “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I – assegurar às partes igualdade de tratamento”. Esse princípio de “assegurar às partes igualdade de tratamento” é um princípio muito mais objetivo de se demonstrar do que o princípio da imparcialidade do juízo. Portanto vislumbra-se que o alegado contato entre, de um lado, um procurador da parte (Ministério Público), que, no caso, registra-se, atua como parte e não como fiscal da lei, e, de outro, um magistrado, seja por mensagens de Telegram, seja por qualquer outro tipo de aplicativos de mensagens, não é uma figura corriqueira e típica do ambiente forense.
Por mais que se diga que, em tese, as conversas não se revelariam de conteúdo grave ou que não levariam a uma eventual nulidade processual, o fato é que o princípio de “assegurar às partes igualdade de tratamento”, em tese, está objetivamente atacado. A menos que se demonstre que o magistrado mantinha também com o advogado da parte contrária o mesmo tipo igualitário de “tratamento”, qual seja, conversas reservadas pelo aplicativo Telegram, nesse caso seria ultrapassado o debate da ofensa a esse princípio. Para além desses fatos, é óbvio que ambos os interlocutores gozam de seu amplo direito de contraditório e de defesa, para somente ao final, após devido processo legal, chegar-se à conclusão de quais os reais impactos dessas alegadas conversas e sua extensão e efeitos jurídicos (e se haverá), perante os processos julgados.
É bem verdade que “diálogos em nada afetam a imparcialidade de um magistrado”, como bem colocou o iminente procurador do Ministério Público do Estado de São Paulo, dr. Edilson Mougenot Bonfim, em artigo intitulado “O parto de uma calúnia”, publicado na Folha de SP em 3 de julho de 2019. Contudo o que está em discussão não é unicamente o princípio da “imparcialidade”, que se reconhece um certo grau de subjetividade para sua apreciação, mas, sobretudo, do princípio de “assegurar às partes igualdade de tratamento” previsto no ordenamento processual, que é muito mais objetivo de ser analisado nos casos concretos.
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