Um país entregue às moscas
No final de 1904, o Rio de Janeiro era a capital da República e viveu um dos períodos mais conturbados da nossa história: a Revolta da Vacina. Um clima de guerra civil, que causou dezenas de mortes e centenas de feridos. Barricadas nas ruas, depredações e saques, e pedras arrancadas dos calçamentos foram usadas como armas pelas pessoas no enfrentamento à polícia e ao Exército.
As razões que levaram a isso foram as inéditas ações lideradas pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, convocado pelo então presidente Rodrigues Alves, para fazer valer um ambicioso plano de saneamento em toda a cidade. O Rio estava sendo vitimado por um surto tremendo de malária, tifo, varíola, febre amarela e outras pestes espalhadas por mosquitos e ratos que infestavam a capital brasileira. Um quadro de epidemia nunca visto.
Um exército especial foi montado. Eram os mata-mosquitos. Eles invadiam casas, quintais, jardins, cortiços, velhos sobrados, fábricas e becos numa perseguição implacável contra as pragas urbanas que transmitiam as doenças. Paralelo a isso, o então prefeito do Rio, Pereira Passos, empreendia um ousado projeto de urbanização da região central, demolindo antigos casarões, abrindo largas avenidas e levando saneamento básico e necessário ao município inteiro.
E aí veio a vacinação obrigatória. O Brasil estava sendo apresentado a um novo método de tratamento daquelas doenças. A comprovação de ter sido vacinado passaria a ser condição para matrículas dos estudantes, admissões no mercado de trabalho e até para oficializar casamentos.
Rui Barbosa, nosso maior jurista, era contrário àquilo. Ele chegou a fazer um discurso no Senado contra a vacina e disparou: “Assim como o direito veda ao poder humano invadir nossa consciência, assim lhe veda transpor nossa epiderme”.
Mas Rodrigues Alves e Pereira Passos deram todas as garantias ao médico Oswaldo Cruz para levar adiante seu plano de erradicar todas as pragas que tiravam a saúde do povo carioca. O dr. Oswaldo sempre dizia: “Deem-me liberdade de ação, e eu exterminarei todas essas doenças em poucos anos”. A duras penas, sob enorme pressão política e social, ele cumpriu seu objetivo.
Hoje, depois de cem anos, o Brasil volta a conviver com pragas urbanas que chegaram a ser extintas. Volta a conviver com doenças típicas da falência da limpeza pública e da ausência de campanhas preventivas ao longo do ano. E não estamos enxergando nenhum Rodrigues Alves, nenhum Pereira Passos e nenhum Oswaldo Cruz para liderarem esta nova guerra.
Senhor, tende piedade de nós!