Atípico?


Por ROBERTO PEROBELLI - PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

08/12/2013 às 07h00

A reportagem da Tribuna da última sexta-feira sobre a violência na Escola Municipal Doutor Antônio Lessa, no Bairro Santa Efigênia, é só a ponta do igarapé das relações escolares. Embaixo das águas turvas e barrentas da agressão às funcionárias da escola há uma complexa rede de relações, que, se não for trazida à tona o quanto antes, pode ainda fazer muito estrago. Obviamente, não temos notícia de agressões físicas ocorrendo todo dia, tanto que um caso como esse vira até manchete de jornal, mas tentar entender como se chegou a esse ponto não exige muito esforço. Em várias partes do Brasil, é possível perceber os indícios da tensão existente entre a falta de políticas públicas voltadas para a questão da convivência escolar e o excesso de superproteção de pais e responsáveis, que, diante dessa falta, se colocam como justiceiros na base do dente por dente.

Um trecho da reportagem chama bastante a atenção: havia dois alunos – um de 11 anos e outro de 12 – brigando na porta da escola. O pai de um deles, justificado pelo transtorno psiquiátrico, bateu no outro menino. A tia deste, injustificadamente, revidou. Antes de questionarmos por que a referida senhora foi lá e investiu contra a escola, cabem algumas perguntas: por que esses dois pré-adolescentes estavam brigando? A única pessoa adulta a presenciar essa briga foi o pai de um dos garotos na porta da escola? Como a gestão escolar se comporta diante de casos assim? Por que não há, ainda, por parte da Secretaria de Educação, uma medida efetiva de enfrentamento ou prevenção da violência em regiões de alta vulnerabilidade social, como parece ser o caso dessa escola? À primeira vista, olhar para as causas agora parece não fazer mais sentido, uma vez que o pior já aconteceu, mas, se quisermos que isso não aconteça mais, alguma providência precisa ser tomada – e com urgência.

Sendo assim, para se responder, com propriedade, a essas perguntas, é preciso discutir. E estudar. Não é de hoje que os temas da violência na escola, da convivência escolar, das relações intraescolares, da mediação de conflitos e todas as demais possibilidades de atuação no sentido de tornar o clima escolar mais agradável vêm fazendo parte das pautas de discussão em várias instâncias políticas e acadêmicas. Desde a redemocratização deste país, as instituições escolares são alvo de ataques, que vão desde pichação até invasão e depredação, e isso nos leva a um questionamento: o que a escola (não) tem oferecido para que alunos e comunidade do seu entorno a tratem dessa forma? E quando aparece escola aqui, não se está fazendo referência apenas ao prédio que levou pedradas, mas a algo maior, que é a instituição representada por alunos, pais, comunidade, professores, gestores e instâncias superiores de administração escolar, como as secretarias de educação e o próprio Governo.

Depois de responder à pergunta anterior, outra pergunta faz-se importante: o que fazer para mudar essa situação? E aí, sim, será possível voltar ao caso reportado. Esses alunos, o pai com problemas psiquiátricos e a tia que já chegou à escola tampando pedras são personagens que refletem as carências de uma escola que já está pedindo socorro há mais de 20 anos: carência de investimento em segurança, carência de preparo dos profissionais da educação para lidar com a violência, carência de câmaras de mediação de conflitos escolares, enfim, carência de toda uma estrutura a qual só sabe que ela é necessária quem mergulha nas profundezas do igarapé.

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