O Estado mata


Por OTÁVIO MAIA, antropólogo DÉBORA A. BARBOSA, assistente Social

07/12/2014 às 07h00

De forma silenciosa, quase sempre lenta. A dor que se repete, sem os devidos esclarecimentos, torna-se sofrimento naturalizado. Corpos são expostos aos estilhaços do poder, levando consigo as marcas da opressão. A falta de leitos hospitalares é uma forma, e se tornou um corriqueiro exemplo, de o Estado sacrificar vidas, agonizá-las e matá-las antes da hora. Assim, deixando parentes e amigos das vítimas sem saberem a quem culpar, o que fazer com a raiva ou a dor que o Estado lhes causa?

Podemos facilmente identificar que o Estado gera grandes traumas sociais e emocionais, comete abusos e deixa as piores impressões. Isto nos permite, também, compreender a maneira pela qual percebemos a política e as questões públicas no Brasil.

Em época de chuva, encostas desabam provocando o soterramento de uma gente específica – gente que foi morar no morro. E que costuma assistir de longe às decisões do Estado sobre o seu destino.

Outro exemplo: a polícia do Estado sabe em quem atirar. Trata-se de uma forma despreocupada de matar, queremos dizer, mais visível, menos silenciosa – nossa polícia presta serviços para uma determinada classe social – “programado pra morrer nóis (sic) é”, rimaram os Racionais Mc’s. Mas, afinal, quem é o Estado? Seria o caso de encontrarmos os responsáveis por essas mortes? Ah! Quem são as vítimas que o Estado mata? Cabe à verdade retirar o véu que encobre a face perversa desse Estado.

Neste sentido, apreciamos a definição de Karl Marx sobre Estado, que o define como “comitê organizado para administrar os negócios da burguesia”. O poder político e o poder econômico se relacionam muito bem, não se explica um sem considerar o outro. Sempre foi assim.

O Estado é feito de agentes, pessoas que dão “características particulares” ao funcionamento da coisa pública. É o funcionário que, para ter uma bela casa e o carro importado, faz a opção pelo desvio de recursos. O Estado é também o funcionário, estrategicamente mal remunerado, trabalhando de qualquer forma, desmotivado e servindo ao povo de maneira indevida, com mau humor e descaso. E acreditando, erroneamente, que é público e é de graça – à noção de direito prefere-se a noção de favor.

No entanto, o Estado é orientado em seu funcionamento por elementos da nossa própria cultura. As repartições públicas não se separam do mundo lá fora, em que vigora o modo de ser do povo brasileiro. Sim, o Estado somos nós, onde cada um tem o seu papel. Apelidado de povo criativo, seria o caso de reinventarmos o uso que fazemos do Estado, a maneira como o encaramos. Precisamos, portanto, rever a nossa relação com as leis, diante das quais damos a entender que somos tão avessos. Sabemos que a nossa política pública tem sido frequentemente corrompida em sua prática, além de não nos sairmos bem na interpretação da lei, pois, afinal, improvisos e rascunhos nos são mais convenientes. E nisto estão os mecanismos invisíveis que o Estado utiliza para fazer inúmeras vítimas. Sim, o Estado mata com a nossa conivência e, em alguns casos, com o uso das nossas mãos.

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