A sombra de Lula e outras
Barrocos que somos, dedicamos o debate político da semana passada ao elogio das sombras: Serra, a sombra de Aécio; Marina, a sombra de Eduardo. Impiedosa, a réplica tucana identificou em Lula a sombra de Dilma. O quadro merece retificação: hoje, no Brasil, Lula é a sombra universal. Assombra Marina e Eduardo, seus ex-ministros, assombra Aécio, que, quae sera tamem, quer abraçar o Bolsa família como política de Estado. Projeta-se, também, inevitavelmente sobre Dilma, outra ex-ministra, que disputa com os demais o legado do pós-lulismo.
Justiça, entretanto, seja feita: Dilma tem luz própria, luz que incomoda aos mais conservadores. A virada que ela fez na política econômica foi, de fato, a verdadeira demissão do Palocci – demissão amplamente pranteada, mais à direita que à esquerda. Graça Foster, à frente da Petrobras, que, adotando padrões profissionais na recuperação da empresa, lança bases para intervenção internacionalmente mais competitiva em campo tão delicado quanto é o da gestão da energia. Vide o sucesso de Libra e a dor de cotovelo correspondente.
Em tudo, o mais interessante foi a reação de Dilma às jornadas de junho: tive, como vice-líder do PT, a oportunidade de me reunir com ela no calor da hora para discutir os feitos. Confesso que fiquei impressionada diante de sua profunda e sincera serenidade frente às multidões reunidas em protesto. Empatia de quem já protestou com quem está protestando. Nem medo, nem sobressalto. Leitura correta da demanda por mais direitos sociais, por valores mais republicanos, por mais democracia na forma de participação política.
Daí, os cinco pactos e a recuperação progressiva da popularidade perdida. Recuperação gradual e robusta. Lembro-me que Dilma terminou aquela reunião tratando da metáfora intensamente disseminada nas redes e nas ruas, de que o gigante acordou. Valeu-se, então, de um símile, que, parece, é de Franklin Martins, comparando o Brasil a um elefante: este gigante, quando se levanta, ergue uma das patas e mantém as outras três firmemente plantadas no chão… Assim é a evolução social brasileira: menos agitada que a de outros países, mas mais consistente e mais irreversível. O panorama até agora desenhado de 2014 indica que a disputa eleitoral vai se dar sobre a herança do lulismo, e não sobre sua superação. Melhor herdeiro, como se sabe, é quem entende o valor da herança e pode garantir seu mais autêntico aproveitamento.