O que faltou no carnaval?


Por GERSON ROMERO DE O. FILHO - GEÓGRAFO E PROFESSOR

07/03/2014 às 06h00

O carnaval é uma festa anual popular que antecipa o período religioso da Quaresma (carnaval vem do latim carne levare: abstenção de carne). É, com certeza, a festa folclórica mais conhecida no Brasil e no mundo. Originalmente marcado por espontânea participação popular, o carnaval também é dinâmico, ou seja, passa por transformações ao longo do tempo e incorpora novos elementos estéticos, culturais e tecnológicos, modificando sua forma de apresentação.

Assim, em cada região do país encontramos particularidades. Daí as diferenças entre os carnavais de Salvador (BA), do Rio de Janeiro (RJ) e do Recife (PE). Também percebemos dinâmicas e formas diferentes nos carnavais das cidades históricas, como Ouro Preto, Diamantina (MG) e Olinda (PE). Mas é essa diversidade que garante a riqueza desse folguedo popular. Apropriado pelo turismo, fala-se, inclusive, na indústria do carnaval, em função da sua capacidade de envolver e impulsionar as atividades produtivas e de serviços ligadas direta e indiretamente ao evento festivo.

Tamanha organização acaba limitando o acesso, pois cria uma espécie de passaporte não gratuito (sambódromos, camarotes, arquibancadas, abadás, frisas e fantasias), que impede a democrática participação popular. No entanto, nos últimos anos, temos assistido ao retorno dos blocos de rua em diversas cidades, verdadeiras representações autênticas de carnaval, tratadas por alguns jornalistas e estudiosos como renascimento do carnaval popular. Diga-se de passagem, o Corredor da Folia de Juiz de Fora encarna bem esse espírito de retomada da cultura popular do carnaval, por garantir acesso democrático e gratuito aos eventos. Outro exemplo é a tradicional Banda Daki, que, oficialmente, abria o carnaval na cidade. Em 2014, a banda, apesar do ótimo desfile, fechou o Corredor da Folia e o carnaval, uma vez que o desfile das escolas de samba foi antecipado em uma semana, modificando a festa popular.

A impressão é de que a cidade não teve um carnaval por inteiro, faltou alguma coisa. É preciso repensar essa estratégia e recolocar os desfiles na semana do carnaval, respeitando o calendário. Decisões pragmáticas que alteram datas de festas populares esvaziam seus significados e comprometem o sentido de suas realizações. Juiz de Fora não deve temer a concorrência de outros municípios durante o carnaval, mas, sim, revitalizar a festa e criar estratégias para maior participação popular e valorização do desfile oficial das escolas de samba. A cidade tem tradição no carnaval, e existem pessoas competentes para esse planejamento de revitalização, que, com certeza, também passa por ampliar os apoios técnicos, estruturais e financeiros às escolas de samba. A estratégia de antecipação dos desfiles não serviu para atrair, significativamente, os turistas. Quem não circulou pelas imediações do setor de desfiles, na Avenida Brasil, até se esqueceu de que havia carnaval. Afinal, nem era feriado. Ficamos com a impressão de que a modificação na data apenas serviu para consolidar o comportamento daqueles que, por direito e condições financeiras, utilizam o feriado para viajar. Mas e aqueles que permanecem na cidade?

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.