Havia risco em Brumadinho?


Por Geraldo César Rocha, especialista em riscos ambientais e professor da UFJF

06/02/2019 às 07h07- Atualizada 06/02/2019 às 16h52

O rompimento de uma segunda barragem de rejeitos de minério de ferro em nosso estado já era esperado. E, sinto dizer, outros rompimentos podem acontecer. Não só em Minas, mas em todo o Brasil, onde barragens de rejeitos e mesmo de água são construídas com tecnologia ultrapassada, já proibida em vários países. Estamos aqui falando da barragem de alteamento a montante, a qual é erguida por meio de degraus, que ficam assentados sobre os próprios rejeitos do minério; é o sistema mais barato e o menos seguro, além de manter o rejeito em meio líquido, menos recomendável do que o rejeito mantido em estado sólido, mais seguro.

Dados da Agência Nacional de Águas revelam que menos de 3% das quase 25 mil barragens no país foram fiscalizadas nos últimos anos. Informações do jornal “Folha de S. Paulo” nos alertam para a existência de uma população de 3,5 milhões que vive em cidades com barragens com risco considerável de rompimento. E mesmo aquelas supostamente com algum tipo de controle têm colapsado, como foi o caso da barragem da Mina do Feijão, ocorrido no dia 25 de janeiro em Brumadinho.

Temos problemas de fiscalização, e mesmo nossa legislação ambiental é falha em muitos aspectos. Além do estudo de impacto ambiental, as empresas têm que apresentar a previsão de danos potenciais, a avaliação das categorias de risco e o plano de emergência. Parece incrível que, antes do rompimento, a barragem de Brumadinho tenha sido classificada como estável, mas com alto dano potencial caso rompesse. Por outro lado, foi avaliada como de baixo risco de rompimento (!).

Essas exigências são confusas em um país com total ausência de cultura de segurança. Sabemos que a segurança é o inverso do risco; assim, quanto maior o risco, menor a segurança. Mas vamos tentar entender melhor o risco e como ele deve ser avaliado. Quando se trata de avaliação de risco, deveríamos na verdade estar falando de algo mais abrangente, que é a gestão do risco. No Brasil, ainda fazemos a gestão do desastre, e não do risco: não fazemos a prevenção. Assim, na gestão de um risco, trabalhamos em duas frentes: na primeira, investigamos as possíveis causas que podem levar ao evento e procuramos atuar nessas causas de modo a diminuir o risco, ou seja, diminuir a possibilidade de ocorrência do evento indesejado.

Diminuir, pois nunca conseguimos o risco zero. Nessa avaliação das causas, destacam-se características como aspectos de projeto, integridade da estrutura, estado de conservação, operação e manutenção, assim como o atendimento ao plano de segurança. Essa é a fase de prevenção, em que o risco pode se situar em um de três níveis: alto, médio ou baixo. Se aplicarmos essa metodologia na barragem do Feijão, veríamos que a categoria do risco seria alta já de saída, devido às características técnicas das barragens de montante, as quais são consideradas de baixa segurança, além de problemas de drenagem e erosão detectados. Isso sem se pensar em outras possíveis variáveis ligadas à conservação, manutenção e/ou operação, que poderiam ratificar essa classificação. Aqui, deve-se destacar que a classificação dos níveis de risco adotada é qualitativa, comparativa. Acredito que uma classificação quantitativa, percentual, seria mais.

A segunda frente contemplada no gerenciamento do risco diz respeito ao pós-evento, ou seja, quais seriam os cenários possíveis caso houvesse o rompimento da barragem e quais seriam as ações e barreiras indicadas para diminuir as consequências. Para exemplificar uma barreira, citam-se as sirenes de alerta, as quais disparariam quando houvesse o colapso, possibilitando a fuga das pessoas (desde que também existissem rotas de fuga adequadas). Essa análise deve ser feita paralelamente ao estabelecimento dos danos potenciais associados, sabendo-se de antemão a altura, volume e área a ser atingida pela lama (o que na verdade se sabia!); as sirenes, desse modo, não poderiam ter sido locadas em pontos que seriam atingidos pela lama, o que não foi feito. Esse tipo de estudo dos cenários também contemplaria o fato de que, com o rompimento, o escritório e o refeitório da empresa, situados a jusante, seriam totalmente atingidos (o que também se sabia!), o que indicaria para a remoção daquelas edificações para fora da rota a ser seguida pela lama.

Assim, respondendo à pergunta do título desse artigo, havia, sim, um alto a altíssimo nível de risco de rompimento da barragem, e não um baixo risco, como informado pela empresa. Esse altíssimo risco, ou seja, uma altíssima possibilidade de colapso, somada ao alto dano potencial associado, nos revela de forma inequívoca o total descaso do estado como fiscalizador, assim como a atitude criminosa da empresa como usuária predadora de nosso território. E de nossa gente.

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