O paradoxo da fome


Por CARLOS MAGNO ADÃES DE ARAUJO professor mestre em geografia, especialista em educação ambiental

05/07/2015 às 07h00

A Organização das Nações Unidas decretou 2015 como o Ano Internacional dos Solos. A ideia é divulgar a importância dos solos para as atividades humanas e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para a sua degradação, que está aumentando exponencialmente nas últimas décadas. O manejo inadequado do solo provoca erosão e, consequentemente, perda dos solos aráveis. Técnicas agropastoris equivocadas, aragem profunda, desmatamento, queimadas excessivas, uso abusivo de agrotóxicos, mineração e atividades industriais são as causas mais comuns da degradação dos solos em todo o mundo. Convém observar que 70% da superfície terrestre são cobertas por água, e, das terras emersas que restam, 1/3 é coberta por desertos, cuja extensão aumenta a cada ano justamente em função da intervenção desastrada do homem.

Paradoxalmente, a humanidade nunca, ao longo dos seus mais de dez mil anos de agricultura, produziu tanto alimento. Isso se deve à aplicação maciça de tecnologia, como adubos, fertilizantes, canais de irrigação, uso de sementes selecionadas e/ou geneticamente modificadas, dentre outros. Hoje, o mundo produz alimento suficiente para suprir as necessidades de nove bilhões de pessoas, embora sejamos pouco mais de sete bilhões de seres humanos atualmente. Assim, a pergunta que não quer calar é: por que centenas de milhões de pessoas não ingerem a quantidade mínima de calorias diárias recomendadas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e outros tantos milhões literalmente passam fome? A resposta é simples e óbvia: porque esse contingente gigantesco de pessoas não pode pagar pela comida.

Em um mundo regido pelo deus Mercado, o cenário para as próximas décadas é sombrio. Com a redução das terras aráveis em todo o mundo e o crescimento populacional que ainda persiste nos países pobres, mais pessoas passarão fome, e o aumento dos conflitos será inevitável, inclusive em função da geração dos chamados refugiados ambientais, cruzando fronteiras fugindo da fome. É interessante observar que, exatamente no momento em que a humanidade acumulou mais conhecimento e desenvolveu novas tecnologias, a degradação do planeta aumentou. Vivemos o sexto evento de extinção em massa da história ecológica da Terra, com a diferença de que os cinco anteriores foram produzidos pela natureza, e o atual tem um forte componente de intervenção humana. Entrementes, nem tudo está perdido. Para muitos cientistas, a tecnologia (e a política) que aumentou nossa capacidade de destruição é a mesma que pode nos salvar do colapso e erradicar a fome. Ainda resta uma saída. Precisamos fazer nossa escolha rapidamente, mas não podemos incorrer no risco de errar novamente.

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