Faltam médicos ou sobram promessas?


Por Hugo Borges, presidente da Unimed Juiz de Fora

04/10/2015 às 07h00- Atualizada 04/10/2015 às 11h57

A equivocada relação direta entre uma possível falta de médicos e a ineficiência da assistência à saúde no Brasil tem norteado recentemente ações governamentais como a importação de profissionais e a ampliação da oferta de novos cursos e mais vagas nas escolas médicas existentes.

O caótico quadro da saúde sempre impactou negativamente as avaliações dos governos e foi apontado como o principal problema do país por 49%, 45% e 52% dos brasileiros nos governos de FHC, Lula e Dilma respectivamente.

Nunca na história do país tivemos respostas satisfatórias por parte do Poder Público às demandas do setor. Simplificar a complexidade da questão, reduzindo os problemas da saúde à “falta de médicos”, é ignorar a falta de infraestrutura física, a baixíssima remuneração dos profissionais, o subfinanciamento e a inexistência de investimentos. E esta tem sido a tônica dos discursos oficiais, que atribuem exclusivamente aos médicos responsabilidade que é de todos: sociedade e Estado.

É de conhecimento público a desigualdade de acesso, fruto da concentração de médicos nas regiões mais desenvolvidas e do desestímulo dos profissionais pelo ingresso na rede pública, pela péssima remuneração e por precaríssimas condições de trabalho.

Na contramão do argumento oficial da falta de médicos, o Brasil passa por um crescimento exponencial do número destes profissionais, que supera – e muito – o crescimento da população em geral. Existem hoje no país 409.047 médicos, sendo 41% jovens, com idade média de 46 anos e em plena atividade profissional. Com a abertura de novas escolas de medicina e a ampliação de vagas nos cursos em funcionamento, estima-se que cerca de 17 mil novos profissionais ingressem no mercado de trabalho a cada ano. É muito!

Ocorre que, apesar de este número ser suficiente para atender à demanda nacional, os médicos estão mal distribuídos. E há nítidos sinais de preferência deles para o setor privado. Para se ter ideia, a população coberta por planos de saúde, cerca de 50 milhões de beneficiários, possui, em média, quatro vezes mais médicos à disposição do que os cidadãos dependentes do SUS.

O Brasil é o quinto país do mundo em número absoluto de médicos. Temos 1,95 médico para cada mil habitantes, número acima da relação mundial de 1,4 médico para cada mil habitantes. Mas não é esta a expressão maior da qualidade assistencial e dos indicadores de saúde. Além de médicos, precisamos de mais financiamento, mais gestão e mais prestação de serviços para mais resultados. Na contramão, temos aqui apenas 44% de participação do setor público nos gastos com a saúde, contra os 55% de gastos da saúde privada.

Não é preciso dizer que países onde o Estado investe mais em saúde tendem a ter melhor desempenho no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), refletido na redução das taxas de mortalidade e maior expectativa de vida.

Sabemos que as desigualdades de distribuição amplificam muito a má qualidade da assistência prestada à população brasileira. Contudo, nossas ambições generosas com orçamento reduzido exigiriam um grau de eficiência invejável, que não se vê na realidade nacional. Nós médicos somos parte desse todo. Também responsáveis, mas não os únicos!

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