Os rituais de velório como elaboração do morrer
“A importância subjetiva desses rituais está em serem momentos, de preferência em grupos, em que se permite a organização dos sentimentos e emoções diante da perda”
Reconhecer que todos estamos mergulhados no processo de vida, e que não temos a garantia de por quanto tempo, exige compreensão simbólica do que chamamos o “real” da morte. E consideremos que em cada época e cultura, foram criados rituais de passagem para lidar com esse momento.
No Brasil, um país com dimensões continentais e tantas crenças, cada religião dita rituais diferentes para o processo do velório. Nos estudos antropológicos, encontramos um levantamento da diversidade de rituais que as diferentes culturas se utilizam para expressar as despedidas de um ente querido. Entendemos que, num funeral será possível permitir aos vivos reconhecerem a perda do morto, expressar seu sofrimento e ter um tempo para identificar e construir um ato simbólico sobre o morrer.
Em geral, consideramos que o ritual de despedida pode acontecer ainda antes do óbito. A morte, ao ser anunciada, em muitos casos, permite reflexões sobre a vida e as relações. São momentos de tomadas de decisões, conversas que tratam das dores, magoas e ressentimentos. Outros também compartilham os bons momentos vividos, executam pedidos de perdão e ou agradecimentos. Todo esse ritual auxilia tanto no processo de morrer, quanto na elaboração do luto.
As mortes causadas por acidentes, assassinatos, violência, suicídio, Covid-19 deixam um rastro de sofrimento diferente. O trabalho de luto nessas situações deve considerar que a dor é vivida com mais intensidade, seja pela surpresa da perda, considerada como inesperada, e a ausência da pessoa “querida”, sem motivação racional a princípio.
Portanto, considero que o velório acontece em um espaço e deve oferecer um tempo para que as pessoas possam iniciar o processo de compreensão simbólica do que seja a morte, e como será viver sem aquela pessoa. A importância subjetiva desses rituais está em serem momentos, de preferência em grupos, em que se permite a organização dos sentimentos e emoções diante da perda.
Será importante ressaltar que esse processo de luto, para além do velório, acontece de formas diferenciadas. Observamos, no dia a dia da clínica, uma série de perturbações nos processos de luto, o que dificulta e, por muitas vezes, prorroga por muito tempo a elaboração das perdas. Algumas pessoas têm muita dificuldade de se adaptar à nova realidade sem a pessoa querida”, e chegam a dizer: “como posso viver sem fulano!”
Na contemporaneidade, temos um problema de tempo e condições econômicas para fazer os velórios. Podemos afirmar que os velórios serão promovidos de acordo com as condições sociais e econômicas dos envolvidos. A expressão do luto é algo extremamente subjetivo e particular, e mesmo com considerações apontados anteriormente, essa é uma experiência única para cada um de nós.
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