O ator e a copeira: racismo?


Por MARTVS DAS CHAGAS - SUPERINTENDENTE DE DIREITOS HUMANOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

02/03/2014 às 06h00

Muitos são os casos de racismo e preconceito noticiados pela imprensa nos últimos dias.Um deles foi o do jogador de futebol Tinga do Cruzeiro: toda vez que dominava a bola, era saudado com urros, imitando macacos, pela torcida adversária em um jogo no Peru. Caso típico de racismo. Outros tantos casos vieram à tona e demonstraram que as denúncias e ações dos movimentos sociais em relação a práticas discriminatórias existentes no país estão mais vivas do que nunca.

O caso mais recente, envolvendo o ator Vinicius Romão, que foi confundido pela copeira Dalva da Costa com um ladrão, revela a face mais perversa do racismo. Aquela em que pessoas da mesma raça são levadas a ter medo e preconceito em relação ao outro. Este é o sucesso da ideologia racista. Ela penetra tão profundamente em todos os campos sociais, de forma a incutir, indistintamente, o vírus da desconfiança e do preconceito. O ator negro foi confundido com um ladrão, porque é este o papel que a sociedade lhe relega por sua condição de cor.

O antigo e surrado ditado usado pelas forças policiais brasileiras, em que se diz que negro parado é suspeito, e correndo é ladrão encontra eco no comportamento da sociedade brasileira e afeta diretamente a população negra, a ponto de ela incorporar e reproduzir este pensamento. O quadro se completa com a proliferação incessante desses estereótipos nos meios de comunicação, em especial nas telenovelas que, quando têm negros, estes são relegados a cumprir o papel de marginais, de pessoas com comportamento dito desviante ou trabalhadores da base da cadeia produtiva.

Então, para a copeira, que é negra, nada mais normal que chegar a sua casa após um exaustivo dia de trabalho e defrontar-se na televisão com um igual em situação degradante e de suspeita, pois é isso que retratam e é isso que ela incorpora. Ela reconheceu seu erro, voltou atrás, e o ator foi libertado, mas acabou sendo vítima e algoz do preconceito. Não custa reforçar que o racismo é uma ideologia em que um conjunto de pessoas, uma raça ou grupo étnico se julga superior a outrem por suas características físicas e intelectuais. Não foi isso o que aconteceu neste episódio, e sim a consagração do pensamento racista, que, de tão perverso, consegue fazer com que uma pessoa da mesma raça reproduza comportamento preconceituoso em relação a um próximo.

Nossa sociedade está inoculada com o vírus do racismo, e a cura para este mal só virá com a aceitação de que estamos doentes e precisamos nos tratar. Podemos começar com gestos pequenos, um deles é buscar não confundir racismo com preconceito.

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