A quantas anda o Sistema Nacional de Cultura?


Por José Ricardo Junqueira, jornalista, ex-secretário de Cultura e Turismo de Cataguases

01/10/2019 às 06h59

Os ataques do Governo Bolsonaro à cultura, de modo geral, podem causar mais danos ao país do que sugere uma análise apressada da questão. Sim, porque a cultura não se restringe apenas à produção de arte, em todas as suas modalidades, como frequentemente é entendido. Por definição, refere-se a todo o cabedal de conhecimentos, bens materiais e imateriais, crenças e valores que uma sociedade acumula na sua trajetória. Somos o que sabemos, e investir e proteger sua cultura é nada menos que garantia de sobrevivência autônoma de qualquer civilização.

Mais objetivamente, tomemos como exemplo o Sistema Nacional de Cultura (SNC), introduzido na Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional 71/2012, que dá à cultura o mesmo status da educação e da saúde e tem o mérito de estabelecer institucionalmente as políticas culturais da União, do Distrito Federal, de estados e municípios através de gestão integrada e compartilhada, com ampla participação da sociedade.
Diferentemente das leis de renúncia fiscal, como a Rouanet, que demanda patrocínio de instituições privadas, o sistema institui mecanismo de repasse direto de recursos públicos, fundo a fundo, da União para Distrito Federal, estados e municípios, que, para se beneficiarem, devem assinar “Acordo de Cooperação Federativa do SNC”, constituindo seus Conselhos de Cultura, Planos de Cultura e Fundos de Cultura. Os conselhos, que devem ser paritários entre Poder Público e sociedade civil, garantem o controle social dos recursos destinados à cultura.

Na audiência pública realizada em julho deste ano pela Comissão de Cultura da Câmara sobre o SNC, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) cobrou agilização do repasse de recursos federais aos fundos de cultura municipais. Atualmente, 2.648 (47,5%) municípios integram o SNC, do total das 5.570 cidades brasileiras. O sistema também acolhe 26 estados e o Distrito Federal, somando 160,4 milhões de habitantes que podem ser beneficiados por política pública de cultura. Os Pontos de Cultura, por exemplo, previstos no sistema e que podem ser instalados até mesmo numa residência, descentralizam e transferem recursos para as comunidades onde o establishment cultural apenas resvala.

Mas, apesar de ser revolucionário, emancipador e direito constitucional do povo brasileiro, a quantas anda de fato o Sistema Nacional de Cultura? Todo esse avanço será (ou foi) extinto juntamente com o MinC, uma vez que a governos como o que ora temos, conforme demonstrado, não interessa que se estimule a dimensão criativa da sociedade que possa contrariar seus ideais hegemônicos? Caso isso ocorra, que explicação será dada às prefeituras dos municípios já integrados ao SNC? Juiz de Fora é um deles. O tema é atualíssimo e de inegável interesse público.

Leis como a “Murilo Mendes”, de Juiz de Fora, que disponibilizou R$ 1,5 milhão este ano para patrocínio de projetos culturais, e a “Ascânio Lopes”, de Cataguases, são excelentes, mas dependem unicamente de recursos municipais, que, na maioria das vezes, são insuficientes. É preciso mais, é preciso que os interessados tomem ciência e reivindiquem “para a cultura deixar de ser um componente periférico e ocupar definitivamente seu espaço como um dos vetores centrais do processo de desenvolvimento do nosso país”, como ensinam os manuais do SNC.

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