Nervos à flor da pele
Revelações do ex-procurador são emblemáticas, por apontar o grau de tensão que também envolve as instâncias máximas do poder
As revelações do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que quase matou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, são reveladoras do grau de estresse que se registra também nas cúpulas do Judiciário e do Ministério Público. No livro autobiográfico “Nada menos que tudo”, escrito em parceria com os jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin, a ser lançado pela Editora Planeta, Janot revela que esteve prestes a cometer o crime, que seria seguido pelo seu próprio suicídio. Na publicação, não cita o nome do ministro, mas confirma a identidade durante entrevista à revista Veja e a vários jornais nacionais.
A reação ocorreu nesta sexta-feira, quando Gilmar, mesmo sinalizando que não tomará providências contra o seu quase executor, o classificou de facínora e disse que o ex-procurador precisa de atendimento psiquiátrico. E mais, colocou em dúvida processos em que ele agiu em nome do MP, especialmente na operação Lava Jato.
Se já havia problemas com a operação, após o Supremo Tribunal Federal formar maioria a favor da tese de que os réus delatados têm o direito de falar por último nos casos em que também há réus delatores, o fator Janot joga mais lenha na fogueira. O procurador foi um duro ator na Lava Jato, tendo levado para o banco dos réus personagens importantes da República. O entendimento a ser firmado pelo STF agora pode afetar processos do ex-presidente Lula, como o do sítio de Atibaia, mas não a condenação imposta por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá.
Aposentado do Ministério Público, mas advogando nas instâncias superiores, como o próprio STF, Rodrigo Janot corre o risco de se ver impedido de entrar no Supremo, devendo, também, ficar a distância do ministro em qualquer espaço que venham a dividir. O dano, porém, vai além do pessoal. Num cenário em que as bancas atuam em busca de brechas processuais, certamente o gesto, embora não consumado, servirá de álibi para novos questionamentos na Justiça.
A extensão do dano só será aferida com o decorrer do tempo, mas é certo que até na instância política já ocorrem discussões em torno da imagem passada ao público interno e externo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está apreensivo. Para ele, fica difícil convencer o capital estrangeiro a investir num país em que duas instâncias máximas têm personagens que quase repetiram os velhos embates dos tempos das diligências.