Reforma conta-gotas
Mudança na forma de prestação de contas, entre outras medidas, pode ser vista como um retrocesso nas necessárias políticas de transparência
Já aprovada pela Câmara dos Deputados, a proposta que altera as regras de prestação de contas dos partidos chega ao Senado marcada pela suspeita de reverter o jogo e dar margem ao caixa dois. De acordo com o texto, entre os pontos polêmicos estão a prorrogação de prazos para a prestação de contas, a possibilidade de utilização de quaisquer sistemas de contabilidade disponíveis no mercado e mais tempo para a correção de dados. Em tese, a matéria, antes de ir ao plenário do Senado, teria que passar pela Comissão de Constituição e Justiça, mas não haverá surpresa se usarem um atalho e colocarem a votação direta no plenário. E a CCJ, como o próprio nome diz, é responsável pelo controle constitucional de todas as matérias.
Como até hoje não conseguiu fazer uma reforma política consistente, o Congresso vem adotando o modelo conta-gotas, apresentando mudanças frequentes e, por coincidência, sempre próximas ao período eleitoral. A proposta que quebra a transparência é um risco, sobretudo por conta de artifícios que permitem o financiamento pessoal ou uso indevido do que está permitido no novo projeto.
O grave desse enredo é que, a cada eleição, os políticos apontam para a necessidade de uma reforma profunda, mas, tão logo tomam posse, a proposta sai de cena, voltando apenas em questões pontuais. Foi assim na última mudança – positiva, aliás -, que tratou do fim da coligação proporcional dos partidos. No entanto, ao mesmo tempo em que dá uma no cravo, o Parlamento dá outra na ferradura. A matéria em questão, agora, é um retrocesso.
É provável que a discussão não se encerre na instância legislativa. Ante as primeiras provocações, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, admitiu a possibilidade de a questão ser judicializada. Como não pode antecipar sua decisão, o ministro ficou no meio do caminho, mas não descartou o risco de o texto ser embargado pela Justiça.
A própria presidente da Comissão de Constituitção e Justiça, senadora Simone Tebet, utilizou as redes sociais para revelar o acordão na Casa para tentar aprovar, nesta terça-feira, em definitivo e no afogadilho, o projeto que, entre outras aberrações, facilita o caixa dois. A conferir.