Desafios das coalizões
Para garantir a governabilidade e implementar sua agenda, os governos são induzidos a acordos que beneficiam mais os partidos e suas lideranças do que à população
O discurso do deputado Arthur Lyra, durante a abertura do ano legislativo do Congresso, foi interpretado como um recado ao Governo. De fato, sem meias palavras e diante de dois ministros de Estado – Alexandre Padilha e Rui Costa -, ele advertiu que o orçamento não é um produto exclusivo do Governo nem na construção nem na execução. Não disse, mas estava implícito o corte de cerca de R$ 5 bilhões em emendas e a recusa do Governo de negociar pautas importantes que a Câmara Federal, especialmente o Centrão, considera fundamentais.
Lyra tem razão em alguns aspectos, mas há problemas na sua fala quando defende um papel mais assertivo nas contas do orçamento, quando o Congresso já tem um volume expressivo de recursos, bem mais elevado do que o de outros países. O deputado, líder do Centrão, tem um olhar mais voltado para dentro do que para fora ao defender o corporativismo em detrimento de um projeto de país que contemple todas as áreas.
Ademais, na política tem o que se diz e o que se pretende. O presidente da Câmara marcou posição, definiu territórios, mas tem um olhar à frente que passa pela sua sucessão. Ter um sucessor afinado com a sua agenda requer respaldo do Governo. Lyra, em outras palavras, está dizendo que uma mão lava a outra.
O presidencialismo de coalizão tornou-se um problema a partir do momento em que, em nome da governabilidade, os governos foram obrigados a ceder, e quem se recusou teve dificuldades para governar, como ocorreu com os presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff. Sucessor de Itamar Franco, o sociólogo Fernando Henrique teve que acolher no seu Governo ministros que não se identificavam com sua agenda. Lula, nos dois mandatos iniciais e agora na sua terceira gestão, fez o mesmo, assim como Jair Bolsonaro.
Faz parte do jogo, mas é desconfortável entender que a velha máxima de ceder os anéis para não perder os dedos é uma realidade nas instâncias superiores da política. O atual presidente da Câmara seguiu a trilha de antecessores que concentraram um expressivo volume de poder com capacidade de mexer nas estruturas da República.
Há virtudes nesse sistema, por garantir a governabilidade e a estabilidade num universo multipartidário. O presidente tem meios de assegurar maioria no Legislativo facilitando a aprovação de leis e implementação de seu programa de Governo. Além disso, há espaço para a inclusão de diferentes segmentos no Governo, por haver necessidade de se negociar com diferentes partidos de distintos segmentos. Isso pode levar à inclusão de uma variedade de perspectivas e interesses na formulação de políticas públicas.
Por outro lado, trata-se de um modelo de fragilidade política a longo prazo, carecendo de reformulação a cada pleito. Outra crítica frequente é que a formação de coalizões se baseia, em muitas vezes, na distribuição de cargos, ministérios e emendas parlamentares, dando margem ao risco de corrupção e clientelismo.
Entre as virtudes e os desafios, é necessária a permanente articulação, a fim de garantir que o interesse partidário não se sobreponha ao interesse da população. Algo complexo sob todos os aspectos.