JOGO DE PODER
Se é possível encontrar algo de bom no meio de uma crise, a aceitação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, salvo as razões do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, poderá servir de desembaraço de uma agenda que estava emperrando o país. O uso político de um pedido, como o fez o parlamentar, que só tomou providências após perceber que o apoio petista na Comissão de Ética tinha se esvaído, tornou-se um problema além das relações entre Câmara e Palácio do Planalto: o país parou, e os negócios, já críticos em razão das circunstâncias, entraram em compasso de espera. Pelo menos agora, o Governo sai das mãos do deputado e abre espaço para discutir a ação impetrada pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. Apontam as pedaladas fiscais como razão suficiente para afastar a presidente. Em momento algum o documento coloca em dúvida a honorabilidade pessoal da presidente, que foi a uma rede nacional ressaltar sua honestidade.
O resultado desse processo é imprevisível e não tem data, mas livra o país de uma chantagem inaceitável sob todos os aspectos, na qual o presidente de um poder, por razões eminentemente pessoais, usava o cargo para pressionar um outro poder. Este, por sua vez, aceitava o jogo até o momento em que percebeu que se tratava de uma ciranda sem fim. Agora, com tudo às claras, começa um novo jogo, no qual o amplo direito de defesa, finalmente, será explicitado. Não se sabe se valeu a pena a presidente reagir tão rapidamente e da forma como o fez, mas os discursos que lhe sucederam, sobretudo dos ministros, já indicaram para uma linha de defesa voltada para a sua probidade em contraponto à de Eduardo Cunha. O Supremo Tribunal Federal deve ser acionado para dizer se há ou não conteúdo na ação que justifique o pedido.
Processos de impeachment são raros no país. O próprio PT, ora no polo passivo por meio da presidente, foi um dos patrocinadores de ação semelhante contra o então presidente Fernando Henrique, em 1999. Ele recorreu, e o plenário da Câmara, por 342 votos contra cem, arquivou o texto, antes já bloqueado pelo presidente da Câmara, na mesma época, Michel Temer. O único caso de sucesso foi de Fernando Collor, que renunciou ao cargo, após ser afastado pelo Congresso. Em 1954, ao ter pedido acolhido pela Câmara, Getúlio Vargas adotou a saída mais radical ao meter uma bala no peito.