Jogo de interesses
A eleição será apenas em fevereiro, mas o deputado Hugo Motta já está ungido pela base e pela oposição para ser o sucessor de Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados
Brasília não é para amadores, e o Congresso menos ainda. No topo da lista dos cotados para substituir Arthur Lira na presidência da Câmara Federal, o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil, indicou que deverá desistir da disputa, após o deputado Hugo Motta (Republicanos), da Paraíba, ganhar o aval de Lira.
Saiu atirando ao admitir que a desistência implicará o fim da amizade com o presidente da Casa, mas que não iria colocar sua vontade pessoal acima do que desejam os partidos que o apoiaram. Embora a desistência não tenha sido oficialmente anunciada, Elmar é mais uma das vítimas do jogo político que envolve toda sorte de interesse. Motta terá votos tanto do PT, do presidente Lula, quanto do PL de Jair Bolsonaro, apontando que, na hora do jogo, o viés ideológico passa longe.
Os partidos e os políticos estão avaliando os postos disponíveis na Mesa Diretora e as propostas do futuro presidente, que passam, necessariamente, pelo velho corporativismo. No segundo mandato do presidente Lula, o PT tentou impor o viés ideológico na sucessão da Mesa e se deu mal. O mais ilustre representante do chamado baixo clero, deputado Severino Cavalcanti, em uma votação que foi pela noite adentro, derrotou o indicado pelo Planalto, Luiz Eduardo Greenhalgh, que já estava recebendo cumprimentos antes mesmo do início da votação.
Depois disso, Lula recolheu as âncoras e passou a negociar, uma vez que o Centrão, a partir daquela eleição, ganhou ainda mais projeção. Além de se colocar na linha sucessória, a presidência da Câmara é o cargo mais importante do Legislativo. Seu ocupante tem o poder de agenda e, se for na mesma linha de Lira, será um player no processo de liberação de verbas e, sobretudo, pelos rumos das demandas do próprio Governo. O presidente da República sabe dessa importância, e ter um presidente aliado é o melhor dos mundos.
E o contrário é verdadeiro. A ex-presidente Dilma Rousseff, pouco afeita a negociações com o Parlamento, teve no presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o seu algoz, por ter sido o responsável pelo andamento do processo que culminou no seu impeachment. O ex-presidente Jair Bolsonaro, que se elegeu com um discurso de independência, também teve que ceder à Mesa Diretora.
Não há surpresa nesse jogo, em razão de o presidente ter meios de liberar ou segurar emendas. O futuro dirigente da Câmara terá a chave do caixa em 2026, ano em que os deputados estarão com seu mandato submetido ao eleitor no pleito de outubro. Os “amigos do rei” conseguem acelerar os repasses que são estratégicos na eleição, bastando ver o pleito deste ano, quando o percentual de reeleitos foi o maior dos últimos pleitos. Respeitadas as proporções, a sucessão nas mesas diretoras das assembleias e das câmaras municipais também desperta a atenção dos executivos. Se indagados, seus dirigentes vão enfatizar a independência dos poderes. Na prática, todos querem um aliado na presidência.