Tarifaço dos EUA pressiona café mineiro e reforça necessidade de novas estratégias

“Sobretaxa americana desafia o setor, mas abre caminho para diversificação, inovação e novos destinos do café mineiro”


Por Isabela Romanha de Alcantara*

11/09/2025 às 08h00

A decisão do governo norte-americano de aplicar uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros trouxe turbulência ao agronegócio mineiro, especialmente ao café, símbolo de tradição e principal item da pauta exportadora do estado. Minas Gerais, responsável por cerca de 70% das exportações nacionais do grão, enfrenta um desafio imediato, mas também enxerga nesse episódio a chance de acelerar transformações já em curso.

Em 2024, as exportações mineiras de café para os Estados Unidos somaram US$ 1,5 bilhão, correspondente a 19,4% do total de grão exportado pelo estado. Entre janeiro e julho de 2025, essa proporção passou para 17,2%. A tarifa, portanto, afeta um mercado estratégico. No entanto, o setor não parte do zero: o café mineiro já chega a 88 países, dentro de um Valor Bruto da Produção agropecuária estadual de R$ 39,7 bilhões. A base é sólida e oferece condições para diversificação e inovação.

Nos Estados Unidos, importadores e indústrias reagiram com cautela, antecipando embarques antes da vigência da medida e postergando novos contratos à espera de negociações. O consumo americano, superior a 25 milhões de sacas anuais, depende quase totalmente de importações. Isso cria pressão sobre o país norte-americano: a sobretaxa encarece blends, torrefações e, inevitavelmente, o café servido ao consumidor.

Ao mesmo tempo, outros mercados se movimentam. A China, em plena expansão do consumo, autorizou recentemente mais de 180 empresas brasileiras a exportar para seu território. Embora ainda absorva volumes muito menores que os EUA, é um destino de longo prazo promissor. A Europa, por sua vez, segue firme como grande parceira, com Alemanha, Bélgica e Itália entre os principais compradores.

O tarifaço expõe riscos, mas também reforça caminhos já debatidos pelo setor. Entre eles:

  • Agregação de valor: aumentar a fatia de cafés torrados, moídos e em cápsulas no mercado externo;
  • Cafés especiais e certificações: explorar nichos que pagam prêmios pela qualidade, sustentabilidade e rastreabilidade;
  • Tecnologia e inovação: investir em digitalização, gestão de riscos e biotecnologia para ganhos de produtividade;
  • Diplomacia e acordos: fortalecer a atuação internacional para reduzir barreiras e ampliar a rede de parceiros.

Essas estratégias não apenas reduzem a dependência de um único mercado, mas também reposicionam o café mineiro como produto sofisticado, alinhado às tendências globais de consumo consciente.

No curto prazo, produtores e exportadores podem enfrentar margens mais apertadas e necessidade de adaptação logística. Mas, no médio e longo prazo, o episódio pode servir como catalisador de inovação. Minas Gerais tem tradição, escala e qualidade reconhecidas. Transformar essa herança em um diferencial competitivo global é o desafio e também a oportunidade.

Assim, o tarifaço não representa apenas uma barreira, mas evidencia a necessidade de reposicionamento estratégico. Para manter competitividade, o café mineiro deve ampliar sua presença em mercados já estabelecidos e buscar novas oportunidades de inserção internacional.

*Isabela Romanha de Alcantara é doutora em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e orientadora nos MBAs USP ESALQ

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