Matriz de Ibitipoca: conheça a história da igreja mais antiga da Arquidiocese de Juiz de Fora
Com mais de 250 anos, igreja é um marco na história do distrito e sofre com falta de manutenção adequada
Mais que um cartão postal, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Ibitipoca é um marco na história do distrito, que nasce nos tempos da mineração do ouro. No centro da vila, que também recebe o nome da santa, a matriz deu início a uma comunidade de colonos, escravos e trabalhadores rurais. Construída em 1768 é a igreja mais antiga da Arquidiocese de Juiz de Fora e testemunhou a transformação do pacato vilarejo em um dos pontos mais procurados por turistas de todo Brasil.
Antes dela já havia, no mesmo lugar, uma pequena capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição, levantada no final do século XVII. A construção atual se deu quando o distrito usufruía das riquezas da extração de minério e foi apadrinhada por ricos fazendeiros da região que trouxeram entalhadores, pintores e santeiros de São João del-Rei para a obra.
Com a pandemia, o prédio ficou por cerca de três anos fechado para visitação. As portas eram abertas apenas nos dias de missa e celebração. No início de 2024 a igreja foi reaberta e está disponível para visitação às quintas e sextas-feiras, do meio-dia às 17h, e aos domingos, de 8h ao meio-dia. O horário de visitas é passível de alteração nos feriados, e os comunicados são publicados na página do Instagram da paróquia.
Falta de conservação
A conservação do espaço é uma questão que preocupa tanto moradores quanto os próprios turistas que vão conhecer o distrito. Tombada pelo Patrimônio Cultural Municipal de Lima Duarte em 1997, a igreja recentemente recebeu pintura externa em suas cores originais. O valor arrecadado para a compra das tintas e o pagamento do serviço veio de uma vaquinha movida pelos moradores da vila. A parte interna, no entanto, ainda precisa de reparos, com paredes e teto danificados. Os fieis se sentem impotentes ao ver a história deteriorando na sua frente.
Sandra Oliveira é moradora da vila de Ibitipoca e foi responsável pela igreja matriz por 17 anos. Além de saber tudo sobre a história do prédio, ela lamenta a falta de cuidado do Poder Público com a manutenção de um bem tombado. “Como você vai restaurar um prédio desse com coisas muito específicas para serem feitas? Não é só chamar alguém que saiba pintar, precisa de profissionais especializados para não perder a característica original. Quando os altares foram reformados, vieram pessoas da Colômbia trabalhar aqui. Eles ficaram lindos, mas (o processo de restauração) morreu naquilo, acabou.”
Em nota, a Arquidiocese de Juiz de Fora afirmou que por ser um patrimônio tombado pela Prefeitura de Lima Duarte, qualquer restauração a ser feita no templo deve respeitar alguns procedimentos. A primeira etapa seria formular um projeto de restauro que leve em consideração suas características, projeto este que deve ser analisado e aprovado pelo Conselho de Patrimônio Cultural de Lima Duarte. Depois de aprovado, para a execução das obras é preciso que haja captação de verba – pública ou privada.
A nota ainda afirma que as prioridades no que diz respeito à conservação da igreja são definidas pelo Conselho Paroquial para Assuntos Econômicos (CPAE), composto pelo administrador paroquial e leigos atuantes na comunidade. O projeto de restauro, portanto, dependeria da avaliação do grupo que, ciente da situação financeira da paróquia, aponta o que precisa ser feito com mais urgência, dando preferência à segurança daqueles que frequentam o templo.
“Sempre preocupada com a conservação de suas igrejas – sobretudo as históricas, como a Matriz Nossa Senhora da Conceição – e agora ciente do descontentamento de alguns poucos moradores de Conceição de Ibitipoca, o que aconteceu somente pelo contato deste jornal, a Arquidiocese de Juiz de Fora procederá à análise da questão através de sua Comissão de Bens Culturais”, finaliza a nota enviada à Tribuna.
Nossa Senhora do Rosário
Também na vila de Ibitipoca outra igreja, a de Nossa Senhora do Rosário, demanda atenção quanto à sua conservação. Fechada desde 2020, a situação é ainda mais crítica. O prédio precisa de intervenções em seu telhado e manutenção nas paredes e fiação elétrica. A igreja, pouco menor que a matriz, era destinada aos escravos que eram impedidos de participar das cerimônias religiosas no prédio principal.
Uma Ibitipoca de caminhos
Como conta Sandra, quando a igreja foi levantada, Ibitipoca não tinha quase nada. “Eram apenas caminhos. Uma ou outra casa aqui na vila. Foi a partir dela que a comunidade se ergueu. Como em outras regiões, a partir do momento em que se funda uma cidade, a primeira coisa a funcionar é a igreja. Ela sim é o início de tudo. Aqui em Ibitipoca não foi diferente.”
Muitos dos que por lá passaram foram, inclusive, sepultados no próprio prédio. O chão da matriz é feito de madeira, com pequenos puxadores nas laterais. São campas, onde foram enterradas pessoas importantes da época. “Dentro da igreja eram enterradas as pessoas mais ricas e influentes. Do lado de fora, no muro, era sepultado o resto da população. Ao redor da igreja era um cemitério. Teve uma época de muita chuva em Ibitipoca que parte do muro cedeu. Nós encontramos inclusive um crânio lá. Os restos mortais nunca foram retirados, ainda estão aqui.”
Essa divisão por posses existia também no momento da celebração. Nos bancos do centro da igreja ficavam as baronesas e seus esposos, nas laterais os criados, levados até a celebração para abanar os patrões que sofriam com o calor de suas roupas suntuosas. “Dizem que as baronesas vinham para a missa com vestidos de até sete peças. Então elas traziam os criados para sentar ao lado e ficar abanando-as”, conta Sandra.
Lugar de encontro e gratidão
Conforme Sandra, as atividades na igreja matriz seguem ocorrendo e fazem com que o templo no centro da vila seja um local de encontro e gratidão. Ela conta que a população da vila e os turistas mais frequentes são participativos, principalmente idosos e crianças. Todo ano a mobilização é maior na Semana Santa e na festa da padroeira, em 8 de dezembro, Dia de Nossa Senhora da Conceição. “É uma época muito bonita, que reúne pessoas de fora, que nasceram aqui no distrito e se mudaram, mas voltam para se sentir em casa nos dias de festa.”
Luz do sol no dia da padroeira
A historiadora e moradora de Ibitipoca, Danielle Arruda, pesquisa a relação das comunidades do entorno com a criação do Parque Estadual do Ibitipoca. Conforme conta, uma particularidade interessante da igreja matriz é a projeção do prédio, que busca gerar um efeito no dia 8 de dezembro, quando se comemora a Imaculada Concepção. “Bem no horário em que o anjo Gabriel anuncia à Virgem Maria que ela será mãe do Filho de Deus, por volta das 18h, a luz do Sol atinge a imagem de Nossa Senhora que está no altar da Igreja. É algo extraordinário, que pode ser observado durante a festa da padroeira.”
Outra característica apontada pela historiadora é a torre do sino, que foi construída fora do corpo da igreja, característica pouco observada nesse tipo de construção. Danielle usa de tais características para ressaltar a importância da conservação do espaço. “Como todo imóvel, necessita de cuidados e manutenções, ainda mais por ter passado dos 250 anos de idade. Justamente por ser considerada patrimônio, a manutenção pode contar com o auxílio do Poder Público, mas vemos constantes problemas estruturais levando um tempo bastante longo para serem solucionados.”