Maior primata da América Latina é procurado por projeto de conservação de Ibitipoca
Nena, uma muriqui de nove anos, fugiu do projeto de conservação onde vive com outros sete indivíduos da espécie
A muriqui Nena, de nove anos, fugiu da reserva em que morava no Distrito de Conceição do Ibitipoca, em Lima Duarte. Ela é um dos poucos exemplares do muriqui-do-norte, maior primata da América Latina. Conforme o Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB), responsável pelo projeto de conservação Muriqui House, Nena foi avistada atravessando a estrada que leva à vila do distrito. O projeto pede ajuda a moradores e visitantes da região para que entrem em contato através do número 32 9993-5040 no caso de alguma informação.
O resgate de Nena é muito importante para o projeto, visto que ela é uma das três fêmeas que residem na reserva e parte da esperança para o aumento da população de muriquis na região. O projeto, que funciona na Comuna do Ibitipoca, cuida de sete macacos, além das fêmeas, são dois machos adultos e dois juvenis.
A bióloga e coordenadora, Fernanda Tabacow, ressalta a relevância de um indivíduo como Nena, não apenas na reserva, mas para a conservação de toda população de muriquis, espécie ameaçada de extinção. “Atualmente temos menos de mil animais como esse na natureza. A Nena é uma fêmea com muita capacidade reprodutiva e isso faz diferença, pois os muriquis têm uma reprodução bastante lenta. Eles só estão prontos para se reproduzir com nove, dez anos.”
Aos nove, Nena entra na fase de acasalamento e isso pode explicar o sumiço. Fernanda explica que é natural da espécie sair de seu grupo natal e procurar outra população para se reproduzir. “São as fêmeas que têm o papel de fazer o fluxo genético, por isso elas possuem o mecanismo de sair de seu grupo para procurar outros. Mas ali na região não existe outro grupo.” Saindo da reserva, Nena pode se deparar com áreas desmatadas, de pasto ou estradas. Com isso, fica vulnerável a atropelamento e ataque de outros animais, fora o alimento que pode ser escasso. Por isso, Fernanda ressalta a relevância de qualquer informação em relação ao paradeiro da muriqui.
Grandes e dóceis
Caso algum morador se depare com Nena, ou outro macaco da espécie muriqui, Fernanda afirma que não é preciso ter medo. Eles são um dos primatas mais dóceis e, pelo que se sabe, nunca foi registrado um episódio de violência envolvendo a espécie. A orientação é ligar imediatamente para o projeto, assim eles poderão monitorar a área e profissionais capacitados farão a recaptura.
“Os muriquis-do-norte podem chegar a 1,5 metro se você considerar a cauda e pesar 10 quilos. É o maior primata, não só aqui do Brasil, mas de toda América Latina. Eles são bem característicos, não tem como confundir com outra espécie. São mais ou menos do tamanho de um cachorro de médio porte, barrigudos e a cauda bem grande”, explica Fernanda.
O projeto
O Muriqui House existe desde 2017 na Comuna do Ibitipoca, e o objetivo é recuperar a espécie que está entre as 35 mais criticamente ameaçadas de extinção. O macaco muriqui só é encontrado na Mata Atlântica e é reconhecido pela Unesco como identificador de qualidade ambiental. Como explica a bióloga e pesquisadora do MIB, Priscila Maria Pereira, o principal motivo de seu desaparecimento é o desmatamento e a falta de conservação da mata nativa.
“Atualmente só são conhecidas 12 populações de muriquis em todo país. A espécie é dividida em dois tipos, os muriquis-do-norte e os muriquis-do-sul. Os do norte são encontrados desde o noroeste do Rio de Janeiro até o sul da Bahia e os muriquis do sul são encontrados desde o sul do Rio de Janeiro até o norte do Paraná.” O grande problema, conforme aponta a pesquisadora, é que com populações tão reduzidas, as muriquis fêmeas responsáveis pelo fluxo genético da espécie não conseguem migrar, já que um grupo está isolado do outro. “Quando elas saem do grupo natal delas para reproduzir em outro grupo, acabam ficando isoladas. Nosso projeto surgiu para tentar conectar esses indivíduos isolados e fazer crescer as populações.”
Há muito tempo, na mata de Ibitipoca, os muriquis eram comuns. Há relatos de grandes populações da espécie que, ao passar dos anos, com o desmatamento para plantação e pastagem, foram reduzidas até sobrar indivíduos isolados. “Já era conhecido, há um tempo, machos que viviam isolados em Ibitipoca. Em 2002, eram dez indivíduos, o que já significa um grupo decadente. Um grupo de muriqui saudável chega a 60, 80 indivíduos. Em 2007, esse grupo ficou formado apenas por sete machos.”
Em 2011, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) já tinha previsto trabalhos de manejo para recuperar esse grupo de muriquis, o mais vulnerável que se tinha conhecimento. Foi em 2017 que o projeto realmente avançou quando os pesquisadores trouxeram a primeira fêmea da espécie para a região. “A nossa ideia não era fazer um cativeiro nem nada, era recuperar o grupo na mata mesmo.” No entanto, por viverem por tanto tempo isolados, os muriquis machos apresentam perdas sociais. “Essa primeira fêmea que a gente trouxe, por não se integrar ao grupo, viveu por cinco anos em uma região que tinha cavalos. Ela fazia um comportamento sexual para cavalos, uma perda social muito grande.”
Com a primeira tentativa não dando certo, os pesquisadores perceberam que seria necessário um ambiente controlado e em bom estado de conservação para recuperar aquela população. Eles construíram então o Muriqui House, que fica em uma região de mata, mas delimitada por uma cerca elétrica de baixa voltagem, que não machuca, apenas assusta os animais para que eles permaneçam dentro do espaço. Lá existem sete macacos da espécie, entre nativos e resgatados em situações de vulnerabilidade.
Foi em 2020 que os pesquisadores comemoram o real indicativo de que o projeto está dando certo: o nascimento de Elliot, primeiro filhote de muriqui gerado em cativeiro. “Em uma espécie ameaçada, cada indivíduo tem uma importância enorme. Por isso a gente pede a ajuda da comunidade, que nos avise caso encontre algum muriqui isolado, em uma área que apresente risco, pois nesse caso nós podemos fazer o resgate e reintroduzi-lo com outros indivíduos da espécie”, finaliza Priscila.