Câmara volta a debater comercialização de animais

Projeto de lei apresentado por vereador quer jogar luz à discussão e aprimorar legislação municipal vigente


Por Renato Salles

30/12/2018 às 06h55

A comercialização de animais domésticos em Juiz de Fora pode ganhar novas regras. Normas mais rígidas para os estabelecimentos que vendem os pets são o alvo central de um projeto de lei que tramita na Câmara Municipal e foi proposto pelo vereador José Márcio (Garotinho, PV). De acordo com a proposição, os estabelecimentos comerciais dedicados à atividade deverão possuir instalações devidamente higienizadas e com iluminação, climatização e ventilação adequada. Assim, cada animal deverá ser exposto individualmente, acomodado em compartimento em boas condições e compatível com seu tamanho e espécie.

À reportagem, Garotinho afirmou que a proposição foi sugerida por pessoas ligadas às ações de proteção animal em Juiz de Fora e tenta avançar em legislação já vigente na cidade. “Estamos trabalhando para aprimorar alguns pontos da lei e, basicamente, tentar aumentar a multa. Temos que debatê-lo para achar o valor adequado”, considera o vereador. O autor do projeto de lei defende que a matéria também é importante para jogar luz ao debate. “Voltamos a pautar este tema que é sempre controverso. A própria fiscalização, muitas vezes bate cabeça. Os temas são cíclicos.”

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Proposição abrange animais domésticos como gatos, cachorros e até araras (Fotos: Olavo Prazeres e Fernando Priamo)

O projeto de lei também estabelece que os estabelecimentos comerciais que comercializam animais domésticos na cidade só poderão desenvolver a atividade após a obtenção de alvará de localização e funcionamento junto a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). Outra exigência é que tenham, obrigatoriamente, profissional médico-veterinário responsável registrado e em dia com o respectivo Conselho de Classe. Segundo Garotinho, a proposição objetiva “estabelecer uma regulamentação mais rígida visando à defesa dos direitos dos animais”. O vereador lembrou ainda pautas recentes aprovadas pela Câmara no sentido da proteção dos direitos de animais, como lei municipal de 2014, de sua autoria, que proíbe a realização de rodeios na cidade.

As novas regras propostas por Garotinho determinam ainda que, na comercialização de pets, os estabelecimentos comerciais ficam obrigados a fornecer ao comprador certificado de identificação do animal; atestado sanitário emitido pelo médico veterinário responsável sobre a condição de saúde do animal; declaração de sua condição de reprodutor ou de esterilidade, decorrente de procedimento cirúrgico ou de outro método aceito; e comprovante de controle de endoparasitas e ectoparasitas e de esquema atualizado de vacinação contra raiva e doenças específicas, conforme faixa etária, assinado pelo médico veterinário responsável. Da mesma forma, as vendas só poderão ser realizadas mediante emissão de nota fiscal.

Texto prevê multas de até R$ 200 mil

Por fim, o projeto de lei traz algumas restrições. Assim, caso a proposta seja aprovada e transformada em lei, a comercialização de animais domésticos passará a ser proibida em estabelecimentos comerciais em que se encontram alimentos destinados ao consumo humano. Também fica vedada a venda em espaços públicos como praças, ruas e parques. O vereador ainda propõe sanções àqueles que desrespeitarem as determinações sugeridas no projeto de lei. Entre as punições cabíveis, vão de advertência por escrito e aplicação de multa simples e multa diária.

Segundo o texto, as sanções pecuniárias serão arbitradas pelo agente fiscalizador. A previsão de multa diária se encaixa nas situações em que o cometimento da infração se estender ao longo do tempo, até a sua efetiva cessação ou a celebração de termo de compromisso de ajustamento da conduta do infrator. Os valores seguirão métrica definida pelo texto. Para infrações leves, a multa aplicada vai de R$ 1 mil a R$ 2 mil. Já nas infrações consideradas graves, os valores poderão chegar a até R$ 20 mil. Por fim, irregularidades consideradas como muito graves poderão ser punidas com multa de até R$ 200 mil.

Infratores também podem ficar sujeitos a apreensão dos animais e instrumentos, apetrechos ou equipamentos de qualquer natureza utilizadas na infração; suspensão de registro, licença, permissão, autorização ou alvará; e cassação de registro, licença, permissão, autorização ou alvará. Ainda de acordo com o texto apresentado por Garotinho, para efeitos das regras, serão considerados como animais domésticos cães, gatos, coelhos, roedores e psitacídeos – família de aves na qual se incluem araras, jandaias, periquitos e papagaios -, bem como outros animais exóticos descritos nas instruções normativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente. As regras abrangerão estabelecimentos comerciais como petshops, mercados municipais, shopping centers, feiras, clínicas veterinárias e qualquer outro tipo de estabelecimento em geral com a finalidade de comercialização.

O texto iniciou tramitação no último dia 19 e ainda precisa receber parecer das comissões temáticas da Câmara antes de ser liberado para ser debatido pelo conjunto de vereadores em plenário. No momento, o texto se encontra sob análise da Comissão de Legislação, Justiça e Redação, que é presidida03 pelo próprio Garotinho, proponente do dispositivo.

Lei vigente é bastante similar

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Juiz de Fora já possui legislação de proteção e bem-estar para comercialização de animais (Foto: Leonardo Costa)

A cidade já possui uma legislação municipal de Proteção e Bem-Estar de animais domésticos em estabelecimentos comerciais. De autoria do então vereador Noraldino Júnior (PSC), hoje deputado estadual reeleito, a norma prevê proteção contra condutas lesivas à integridade física e mental dos pets comercializados. O documento já define a necessidade de que os estabelecimentos disponham de médico veterinário e também veda a exposição de animais na forma de “empilhamento” em gaiolas sobrepostas. Veda ainda a exposição em calçadas, estacionamentos e locais em que possam ser molestados por transeuntes e em feiras livres, de artesanato, de antiguidade e em vias e logradouros públicos, excetuando-se Feiras de Exposições e Mostras. O texto já em vigor proíbe ainda a exposição em locais de venda de animais com idade inferior a oito semanas; de fêmeas prenhes, bem como ninhadas em período de aleitamento. As sanções, no entanto, são distintas. Para casos de irregularidades, há aplicação de multa de R$ 300 por animal alojado ou encontrado em situação irregular; suspensão de licença em casos de reincidência; e até cassação. Os valores arrecadados são recolhidos para o Fundo Municipal do Meio Ambiente (FMMA).

Por critérios mais rigorosos

A pedido da Tribuna, a médica veterinária e coordenadora técnica do Fórum Animal – ONG de proteção animal de atuação nacional -, Haiuly Viana, fez uma análise sobre a legislação vigente e a atual proposta em debate na Câmara. Antes, porém, a especialista se manifestou contra qualquer tipo de comercialização dos pets. “Considerando a senciência e a consciência animal, entendemos que nenhum animal deveria ser comercializado. Que essa prática coisifica os animais e os torna mercadoria para ganhos financeiros de uns e objetos descartáveis para quem adquire por impulso, ‘moda’ ou status. Um exemplo triste e comum do que comércio de animais pode causar é o aumento da venda de coelhos próximo à Páscoa. As pessoas presenteiam crianças com animais vivos sem amadurecer a ideia, desconhecem a biologia das espécies, suas necessidades alimentares, ambientais e comportamentais.”

Por outro lado, analisando o atual cenário em que a comercialização de animais é uma realidade, Haiuly afirma que a proposição em discussão na Câmara “deveria determinar critérios mais rigorosos de fiscalização dos estabelecimentos comerciais para coibir os maus-tratos existentes e estabelecer a origem dos animais vendidos, uma vez que muitos desses filhotes são provenientes de ambientes totalmente insalubres, filhos de pais extremamente explorados”. Neste sentido, a médica veterinária ressalta que “ambientes que comercializam diferentes espécies são um risco à saúde pública, saúde animal e meio ambiente”. “A alta densidade de animais, a mistura de diferentes espécies e o estresse ao qual estes animais são submetidos predispõem a doenças; e a presença destes animais enfermos junto a animais sadios aumenta os riscos de transmissão de zoonoses.”

Outro avanço sugerido foi no sentido de que, no momento da comercialização, pudesse ser emitida “declaração sobre condição de animal reprodutor”. “Todos deveriam estar esterilizados para coibir a exploração dos animais nas ‘fábricas de filhotes’ e criações de fundo de quintal. Além de ser temerária, esta prática não são autorizadas para reprodução em cativeiro por pessoas amadoras. Portanto, na nossa análise, a proposta falha por ser muito branda e por não desestimular o comércio.” Por outro lado, a médica veterinária destacou como um dos pontos positivos a exigência de responsável técnico no estabelecimento e a exigência de alvará de funcionamento. “Por fim, creio que seja necessário um avanço na percepção da relação entre os animais e os humanos, criando tanto ferramentas para punir quem explora e comete maus tratos como medidas de educação da nova geração para que desenvolva uma relação mais harmoniosa e respeitosa com todos os animais, entendendo que estes não são objetos que se possa comprar e depois descartar.”

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