Proibição da arquitetura hostil é discutida na Câmara Municipal
Em primeira votação, nesta terça, houve pedido de vista; projeto deve voltar ao plenário nesta quinta-feira
O Projeto de Lei Complementar que visa a proibição de técnicas de arquitetura hostil em espaços livres e de uso público em Juiz de Fora foi pauta de discussão na Sessão Plenária na Câmara Municipal nesta terça-feira (29). De autoria da vereadora Cida Oliveira (PT), o projeto está em tramitação desde maio de 2022. Na sessão desta terça, durante primeira votação da matéria, o vereador Carlos Alberto de Mello (Sargento Mello Casal/Sem partido) pediu vista. Com isso, o projeto deve voltar ao plenário nesta quinta-feira.
A temática ganhou repercussão a partir dos protestos realizados pelo Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, que, nas redes sociais, denuncia empreendimentos e o poder público pela aporofobia – rejeição a pobres – através da arquitetura hostil. Em fevereiro de 2021, uma publicação do padre em seu perfil no X (antigo Twitter), derrubando com uma marreta as pedras debaixo do viaduto em São Paulo, gerou milhares de interações.
A ação do Padre Júlio Lancellotti inspirou a ação política, quando o senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou o então Projeto de Lei que veda “o emprego de técnicas construtivas hostis em espaços livres de uso público”. A Lei 14.489, de 2022 foi promulgada no dia 21 de dezembro do ano passado, batizada de Lei Padre Júlio Lancellotti.
No âmbito estadual, a discussão sobre a arquitetura hostil também está presente na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Em maio deste ano foi aprovado pelo Plenário o Projeto de Lei (PL) 3.449/22, da deputada Beatriz Cerqueira (PT), que trata também que trata também da “vedação ao emprego de técnicas de arquitetura hostil em espaços livres de uso público no Estado”. O texto incide ainda sobre a “ação de intervenção em espaços públicos livres destinada à restrição do direito à circulação e permanência da pessoa em situação de rua”.
Arquitetura hostil em Juiz de Fora
Elementos de arquitetura hostil podem ser facilmente vistos em Juiz de Fora, sobretudo no Centro da cidade. Grades e vidraças em frente a fachadas de estabelecimentos comerciais e agências bancárias impedem, por exemplo, que qualquer pessoa fique debaixo das marquises destes locais. Fincos e materiais pontiagudos nos ressaltos das fachadas também são encontrados, além de vasos de planta que propositalmente impedem o acesso às marquises. “No Parque Halfeld, por exemplo, os bancos com divisórias impedem que as pessoas fiquem deitadas – seja para descansar ou dormir. Também não é um local onde lactantes conseguem sentar para amamentar. Pessoas com algum grau de obesidade tampouco conseguem sentar”, relata a vereadora Cida, autora do Projeto de Lei.
“A arquitetura hostil, além de cruel, vai de encontro com os princípios da Constituição Federal, dos acordos de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, contra Constituição estadual, Estatuto da Cidade e a Lei Orgânica do Município”, justifica a parlamentar. Portanto, segundo Cida, o projeto “quer garantir o livre acesso à cidade para todos os cidadãos, bem como, assegurar os direitos humanos”.
Cida ressalta ainda que os instrumentos da arquitetura hostil afastam as pessoas pobres e em situação de rua dos espaços públicos livres. Em Juiz de Fora, de acordo com o Censo e diagnóstico da população adulta em situação de rua de Juiz de Fora, realizado em parceria entre Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e Universidade de Juiz de Fora (UFJF), o número de pessoas em situação de rua aumentou 110% entre 2016 e 2022, passando de 384 para 805 pessoas.
“Colocamos esse Projeto de Lei para discussão porque entendemos que o aumento da pobreza não pode ser tratado com políticas de exclusão social, mas com ações reais de combate à pobreza, de promoção de emprego e renda para o trabalhador, espaços públicos de promoção de cultura, lazer e integração da sociedade”, completa a parlamentar.
A proposição pretende, então, proibir “o emprego de materiais, estruturas, equipamentos e técnicas de arquitetura hostil que tenham como objetivo ou resultado o afastamento de pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população em espaços livres e de uso público”. O PL vai ao encontro às medidas já tratadas nos âmbitos federal e estadual.
Caso seja sancionada, a proposta indica que o “Poder Executivo Municipal poderá promover a remoção e alteração dos espaços e equipamentos públicos que caracterizem arquitetura hostil no prazo de até 30 dias”, contados a partir da publicação da Lei.
Se, mesmo após a sanção, for constatada a construção de elementos que evidenciem a arquitetura hostil em qualquer espaço livre e de uso público, “haverá a emissão do auto de notificação pelos órgãos e secretarias do Poder Público responsáveis”, que terão um prazo de quinze dias para retirar os equipamentos que caracterizem arquitetura hostil.