Prefeitura de Juiz de Fora já admite escalonar salários em junho
Em meio à crise da pandemia, Município computa queda de arrecadação de 30% no mês de abril; o que corresponde a cerca de R$ 22 milhões a menos nos cofres da Prefeitura
A data é 17 de dezembro de 2019. Na ocasião, a Prefeitura de Juiz de Juiz de Fora (PJF) torna pública sua realidade financeira que fechou aquele ano com um déficit total de R$ 95 milhões. Já naquela época, a asfixia financeira resultava em grandes dificuldades para o Município honrar seus compromissos, o que culminou no atraso do pagamento do 13° salário dos servidores municipais. Pouco mais de cinco meses e em meio a uma pandemia de escala global, que ameaça a saúde pública e adoece a economia em todos os âmbitos, a situação financeira da PJF se agravou de forma ainda mais sensível. Com uma queda de arrecadação de 30% em abril, cenário que deve se replicar mais drasticamente em maio, a Administração se vê encurralada entre receitas aquém das esperadas e despesas, em recorte que afeta o pagamento de fornecedores e da folha do funcionalismo, que deve ser quitada de forma escalonada já a partir de junho.
“O grande problema nosso é a rotina da Administração, como folha de pagamentos e fornecedores. Esta queda de arrecadação impacta diretamente nesta questão”, avalia o secretário municipal de Fazenda, Fúlvio Albertoni, em entrevista exclusiva à Tribuna. Ele afirma que o cenário financeiro para os próximos meses é de grande dificuldade para o Município. “A arrecadação municipal tem essa centralização maior no começo do ano, por conta de parte do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) que parte é à vista; e do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), que é repassado pelo Estado. Parte destes recursos, estocamos para gerenciamento de crise e para o pagamento do 13º no final do ano. Mas, desta vez, já utilizamos esses recursos para manter o pagamento em dia até aqui.”
Assim, tal reserva foi exaurida para a quitação dos salários do primeiro quadrimestre da folha e para o pagamento de valores relacionados ao pagamento do 13º salário pendente de 2019. Diante de possível agravamento da queda de arrecadação em maio, a Prefeitura trabalha de forma contingencial para balancear o pagamento da folha, que só na Administração Direta chega a R$ 43 milhões líquidos ao mês, e dos fornecedores. “Agora, para o mês de junho, a queda prevista é maior. Não temos garantia de conseguir pagar os salários em dia”, afirma o secretário de Fazenda, que revela previsões de que as perdas na arrecadação para o mês vigente podem resultar em até R$ 30 milhões a menos aos cofres municipais.
Inicialmente, a previsão da Prefeitura pré-pandemia era de arrecadar R$ 73 milhões no mês de maio. Caso as perdas cheguem a R$ 30 milhões, pior cenário previsto pela PJF no momento, a queda na arrecadação poderia chegar a 42%.
Socorro da União
Desta maneira, um alívio financeiro momentâneo para os cofres da Prefeitura deve ser a sanção, por parte do Governo federal, do projeto de lei que libera socorro financeiro de R$ 60 bilhões a estados e municípios em decorrência da pandemia da Covid-19. O auxílio da União pode resultar em um aporte de cerca de R$ 54,5 milhões para Juiz de Fora, divididos em quatro parcelas, que girariam em torno de R$ 13,6 milhões. Assim, o valor mensal estaria abaixo da perda de arrecadação já computada em abril e também da previsão para maio, que podem chegar a cerca de R$ 52 milhões, algo bem próximo do socorro a ser dada pelo Governo federal à cidade.
Além da sanção presidencial do projeto aprovado pelo Congresso, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na última quinta-feira (21), o auxílio ainda precisa superar outras etapas antes de irrigar, de fato, os cofres de estados e prefeituras. “Conseguindo o recurso, temos a possibilidade de fazer o pagamento escalonado. Vai ser necessário este valor para poder pagar a segunda parcela. Se por acaso não ocorrer esta transferência, a segunda parcela poderá ter comprometimentos”, pontua Fúlvio. A probabilidade de que o pagamento dos servidores municipais incida de forma parcelada já a partir de junho é tão real que o próprio secretário da Fazenda afirmou à reportagem que a Prefeitura já trabalha em um modelo a ser adotado.
“Estamos estudando este modelo, uma vez que folha já está sendo fechada, na mesma linha que é feita pelo Governo do estado, priorizando aqueles segmentos que estão na ponta do enfrentamento da pandemia”, explica o secretário de Fazenda. Em um esboço inicial informado à reportagem, o pagamento pode seguir modelo similar ao adotado pelo Governo de Minas. Assim, algumas categorias poderiam ter prioridade. No caso, as que atuam nas linhas de frente de enfrentamento à pandemia, como profissionais de saúde e de ordenamento urbano. Estes poderiam ter seus vencimentos quitados em parcela única, enquanto os demais receberiam em duas escalas.
R$ 22 milhões deixam de entrar nos cofres do Município
Com relação à arrecadação, com base em atualização das previsões feitas na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, a PJF estimava arrecadar cerca de R$ 75 milhões. Na prática, contudo, entraram nos cofres do Município pouco mais de 53 milhões, e a diferença entre o inicialmente orçado e o executado está na ordem de R$ 21,9 milhões. As perdas são resultantes tanto de projeções relacionadas a receitas próprias, como tributos municipais, e repasses de entes externos. A fonte de arrecadação que apresentou a maior queda foram as as transferências feitas pelo Governo de Minas relativas ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), em que a Prefeitura orçava a capitalização de R$ 7,5 milhões, mas arrecadou, de fato, R$ 3,25 milhões, com queda chegando a 56,6%.
Para a Secretaria Municipal de Fazenda, contribuem para a queda fatores como a falta de fiscalização acerca da inadimplência do tributo e o desaquecimento do comércio de novos veículos, que reduz a entrada de novas inscrições. Em termo de valores absolutos, a maior queda foi sentida na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em claro reflexo das medidas de restrições para o enfrentamento ao avanço da pandemia da Covid-19, o que resultou na vedação do funcionamento de várias atividades do comércio e de prestadores de serviço. Neste segmento, antes da crise provocada pelo novo coronavírus, a Prefeitura estimava arrecadar R$ 17,3 milhões, mas, na prática, executou R$ 5 milhões a menos, o que significa uma queda de 29% com relação ao orçamento inicialmente previsto.
A perdas amargadas em abril ainda atingiram arrecadações oriundas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), transferência constitucional, em que a queda nos repasses foi de 12%, mesmo com um aporte aos recursos referentes a março; do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), redução de 29,9% entre orçado e executado; do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e da Taxa de Coleta de Resíduos Sólidos (TCRS), baixa na arrecadação de 24,3%; do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), menos 37,7%; e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), cujas perspectivas do Município apontavam o aporte de R$ 13,3 milhões, mas, de fato, captou R$ 9,6 milhões, 27,60% a menos.
A perda de arrecadação do Fundeb é outro ponto que traz dificuldades para a Prefeitura honrar a folha de pagamentos do funcionalismo público municipal. “O Fundeb, por lei, deve ser gasto no mínimo 60% para o pagamento de salários. Há seis, sete anos, adotamos a prática de usar 100% o fundo para o pagamento dos salários. Mesmo assim, ele só consegue cobrir 50% da folha do magistério. Esta queda impacta diretamente a folha de pagamento”, explica Fúlvio.
Revisão em contratos e corte na folha miram economia de R$ 10 milhões mensais
Ante a crise, a Prefeitura trabalha em várias frentes para enxugar as despesas. No que tange a contratos e passivos com fornecedores, o secretário Municipal da Fazenda, Fúlvio Albertoni, destacou que o Município trabalha para rever contratos e mira uma economia que varia entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões ao mês. Tais medidas já estão em andamento e tem por base decreto publicado em 25 de abril e permite à PJF suspender, revisar ou rescindir “contratos administrativos celebrados pela Administração Direta e Indireta”.
“Todos os secretários estão verificando o que podem fazer para reduzir as despesas e os gastos com seus contratos”, explica Fúlvio. Segundo o secretário, as restrições adotadas como forma de combater a pandemia da Covid-19 comprometeu a prestação de alguns serviços, que podem ter seus contratos revistos. “Verificamos que, com questões como a suspensão de aulas e das creches, muitos serviços que não estão sendo feitos poderão ser suspensos. Para isto, vale lembrar que a iniciativa privada está amparada pela Medida Provisória 936, que permite a adoção de redução de jornada e suspensão de contratos com parte dos salários sendo paga pelo Governo federal”.
O Município também trabalha em um projeto que deve resultar em novo enxugamento da máquina administrativa, com medidas que podem atingir a servidores temporários, comissionados e, até mesmo, efetivos. No caso, é avaliada, por exemplo, a suspensão do pagamento de gratificações que não são incorporadas ao salário, entre outros pontos. O objetivo da reestruturação é alcançar uma economia de até R$ 7 milhões mensais. Segundo o secretário de Fazenda, o Município quer fazer o corte de despesas, mas garantir o máximo de empregos possível.
“A educação, por exemplo, tem muitos servidores temporários. Regra geral, se o serviço não está sendo prestado, objetivamente os contratos deveriam ser cortados e as pessoas dispensadas. Mas a gente sabe que tem uma questão social nisto. Se não tomarmos medidas paliativas e apenas botar estas pessoas na rua e recontratá-las quando as aulas voltarem, teremos um grande problema social. São mais de dois mil professores temporários. Então, estamos estudando a suspensão dos contratos com a antecipação de parte dos salários a que eles teriam direito quando as aulas forem retomadas, para estes profissionais possam se manter neste período de inatividade”, antecipa Fúlvio.
Dívida municipal pode triplicar
Ainda de acordo com o secretário municipal de Fazenda, caso o Município não receba o auxílio da União e não faça cortes em contratos e na máquina administrativa, a dívida da PJF, que era de R$ 95 milhões em dezembro do ano passado, pode triplicar seu valor. “Se nada for feito, a projeção é de virar o ano com déficit de R$ 300 milhões.”
Por outro lado, a despeito das dificuldades de custeio, a PJF conseguiu avançar no período em verbas destinadas ao combate à pandemia. “Recebemos mais de R$ 20 milhões destinados exclusivamente à saúde e para o enfrentamento à Covid-19. Outra coisa que nos ajudou foi a autorização dos vereadores para a utilização dos valores das emendas impositivas na saúde, para a compra de equipamentos de proteção individuais, por exemplo. Só neste ponto, são R$ 4,6 milhões”, detalha o secretário.