Vereador defende uso da Guarda Municipal na repressão a manifestações

Proposta de emenda à Lei Orgânica defende que corporação atue em aglomeração de pessoas que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais


Por Renato Salles

18/08/2019 às 06h23

Os integrantes da Guarda Municipal de Juiz de Fora podem ser autorizados a atuar na repressão de manifestações públicas realizadas na cidade que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais. Ao menos, este é o intuito de um projeto de emenda à Lei Orgânica, apresentado pelo vereador José Fiorilo (PTC). Atualmente, é vedada ao Município tal utilização da corporação. O texto já está liberado para ser discutido pelos vereadores em plenário.

Na prática, o projeto de emenda de José Fiorilo é bastante simples. O que o vereador sugere é uma simples troca na redação do artigo 2°, do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica. Atualmente, o trecho afirma que “é vedada a utilização da Guarda Municipal na repressão de manifestações públicas”. Fiorilo quer trocar o termo “vedada” por “permitida”.

Parecer contrário

Antes de reunir condições de ser debatida em plenário, a proposta passou por uma comissão especial formada por cinco vereadores: Antônio Aguiar (MDB), José Márcio (Garotinho, PV), Juraci Scheffer (PT). Carlos Alberto Mello (Casal, PTB) e Júlio Obama Jr. (PHS). Destes, quatro liberaram a tramitação do dispositivo sem, no entanto, manifestar seu posicionamento sobre o mérito do projeto. A única manifestação antecipada foi a de Scheffer, que deu parecer contrário à proposta “por carecer de fundamento e justificativa jurídica e política para a sua aprovação por esta Casa Legislativa”.

PJF: caráter educativo e preventivo

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Cidadania (Sesuc) afirmou que “não consta no planejamento estratégico da Guarda atuar de forma repressiva, apesar de desenvolver ações integradas e conjuntas com a Polícia Militar (PM)”. Ainda de acordo com a pasta, de forma esporádica, “a Guarda colabora e dá retaguarda em algumas ações da PM, mas não é a meta principal”.

“O trabalho da Guarda Municipal tem como pressuposto básico a preservação do patrimônio do município. Quando acontecem eventos ou manifestações públicas como Carnaval, Marcha para Jesus, Rainbow Fest, Desfile de 7 de Setembro, entre outros, a Corporação atua de forma preventiva e educativa, se posicionando taticamente na proteção dos bens, serviços e instalações públicas”, explica a Sesuc.

Contingente

Também de acordo com informações fornecidas pela Secuc, o atual efetivo da Guarda Municipal é de 93 servidores. Segundo a pasta, este número está sendo ampliado e mais 24 novos guardas estão sendo incorporados à instituição. Os novos guardas já estão sendo capacitados e começam ainda este ano.

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Efetivo da Guarda Municipal hoje é de 93 servidores; outros 24 serão incorporados à instituição (Foto: Fernando Priamo)

Proposta cita leis federais

Para justificar sua proposição, José Fiorilo cita trecho de outras legislações vigentes. Uma das argumentações utilizadas é o artigo 144 da Constituição federal, que define quais órgãos estão autorizados a exercer a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, destacando o inciso 8º, que diz: “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.” O vereador refere-se ainda ao Estatuto Geral das Guardas Municipais, definido pela Lei federal 13.022 de 2014. Em seu Capítulo III, no artigo 4º, define que “é competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município.”

O vereador cita ainda o artigo 5º, que aponta como “competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais”, zelar por “bens, equipamentos e prédios públicos do Município”; prevenir e inibir, pela presença e vigilância, infrações penais e administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais; a colaboração de forma integrada com órgãos da segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social e com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem; e o desenvolvimento de ações de prevenção primária à violência.

“Ao que se vê, a amplitude de competências destinadas às Guardas Municipais pela lei mencionada, tem o condão de dar maior proteção aos bens, serviços e instalações municipais, desde que sejam respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais, em todos os acontecimentos do cotidiano municipal”, afirma Fiorilo.

O parlamentar complementa ainda que “se numa manifestação pública houver desdobramento que conspire contra a ordem pública, haverá de se ter presente a ação dos órgãos de segurança, os quais estabelecem ações preventivas e repressivas, na medida das necessidades. Na mesma situação, a Guarda Municipal deverá agir prevenindo e inibindo, ou mesmo coibindo, desde que os atos praticados atentem contra os bens, serviços e instalações municipais, não se afastando da sua missão institucional.”

Especialista critica termo ‘repressão’

Para o especialista em segurança pública e professor da PUC-Minas, Luis Flávio Sapori, a atuação das guardas municipais na contenção e proteção do patrimônio público é algo natural. No entanto, ele critica a redação da emenda à Lei Orgânica de Juiz de Fora proposta pelo vereador José Fiorilo pelo uso da palavra “repressão”, que, para ele, “é muito forte”. “É inadequada a expressão repressão, pois dá a ideia de que a Guarda vai para cima dos manifestantes, prendê-los, bater e usar de violência”, avalia.

Sapori, no entanto, ressalta que a utilização da Guarda Municipal em manifestações públicas não é algo incomum, sem, no entanto, que seu efetivo atue de forma repressiva. “Muitas guardas municipais Brasil afora fazem a contenção e a proteção do patrimônio municipal – como a sede da prefeitura ou uma escola, por exemplo – quando há manifestantes. Nestes casos, a Guarda faz uma parede de proteção e atua de forma preventiva; isto não é incomum. Está previsto e é, inclusive factível, dentro da lei (o Estatuto Geral das Guardas Municipais). A Guarda está autorizada a fazer este tipo de atuação.”

Armas de fogo não são discutidas no momento

Esta não é a primeira vez em que o vereador José Fiorilo propõe alterações na redação artigo 2° do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica de Juiz de Fora. Em setembro de 2017, a Câmara aprovou projeto de emenda à Lei Orgânica de autoria do vereador que retirou da legislação trecho que vedava a utilização de armamento pela corporação. A norma foi promulgada pelo próprio Poder Legislativo, em outubro do mesmo ano.

De lá para cá, a despeito da autorização jurídica, a Prefeitura optou por não equipar a corporação com armas de fogo. “No planejamento estratégico da Guarda Municipal de Juiz de Fora, não há previsão de disponibilizar armas de fogo para a corporação”, afirma a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Cidadania. A pasta reforça que nenhuma discussão, neste sentido, está sendo debatida no ambiente da Administração municipal. Atualmente, os guardas tês a sua disposição armamentos como tonfa, bastão, spray de pimenta, spark, (pistola eletro-incapacitante) e o lançador de munição de borracha.

Para o especialista em segurança pública Luiz Flávio Sapori, a utilização de arma de fogo pelas Guardas Municipais pode ser uma ferramenta importante em situações específicas, porém, considera que seu uso não se justifica em situações cotidianas. “É possível para certas situações. Muitas vezes, a Guarda pode ser destacada para fazer a proteção de patrimônio público em regiões violentas. Nestes casos, é pertinente que a Guarda esteja armada. Mas não há sentido que ela esteja armada em todas as suas ações cotidianas. A Guarda Municipal pode atuar em situação de conflitos de som alto e conflitos entre vizinhos, por exemplo. Não há sentido de ela estar armada para a mediação de conflitos como este. Não pode ser algo generalizado”, considera.

Efetivo tem papel de ‘polícia comunitária’

Especialista em segurança pública, Luis Flávio Sapori reforça, no entanto, que o uso de arma de fogo para monitoramento de manifestações públicas é algo equivocado. “É inadequado. Foge de qualquer protocolo destas situações. Nunca se usa arma de fogo no acompanhamento de manifestações públicas. Isto é absurdo e completamente inadequado. Tende a gerar situações graves de violência.” Para o especialista, as guardas municipais devem assumir um papel de polícia comunitária, sem, todavia, confundir suas atividades com o papel desempenhado pela Polícia Militar na segurança pública.

“O trabalho das guardas, como se definem no Brasil, deve ser prioritariamente de interlocução com a comunidade. Juiz de Fora não pode cometer o erro que tem sido cometido por algumas cidades de São Paulo, que é querer fazer da Guarda uma extensão da Polícia Militar. A lei de 2014 permite que a Guarda atua na segurança pública e até no patrulhamento ostensivo. Mas o importante é que isto seja feito em cooperação com a Polícia Militar, a Guarda Municipal não pode substituir a PM. Ela é um complemento e tem que atuar principalmente na ordem pública e na garantia das normatizações municipais. A questão da segurança e do crime deve ser algo complementar”, resume.

Tal entendimento também é reforçado pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Cidadania da Prefeitura de Juiz de Fora. “A administração municipal trabalha com o conceito de uma Guarda comunitária e não repressiva, atuando do ponto de vista pedagógico, educativo e preventivo”, pontua a Sesuc.

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