Ministério Público apura suposto caso de nepotismo na Câmara de JF

Poder Legislativo nomeou para cargo comissionado sobrinho da esposa do vereador André Mariano


Por Renato Salles

15/10/2019 às 07h00- Atualizada 15/10/2019 às 07h41

A 22ª Promotoria de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que atua na área de patrimônio, abriu um inquérito civil para apurar possível prática de nepotismo pelo vereador André Mariano (PSC) na Câmara Municipal de Juiz de Fora. A apuração teve início no dia 11 de setembro e foi motivada a partir de denúncia feita por um estudante de direito que aponta que, Mariano, como primeiro secretário da atual Mesa Diretora do Poder Legislativo Municipal, assinou a nomeação de um sobrinho de sua esposa para a função de assessor de suporte de imagem. A 22ª Promotoria de Justiça confirmou que o inquérito “está em tramitação” e ainda correm os prazos “para os representados ofertarem manifestação”.

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Vereador André Mariano vai aguardar os desdobramentos da apuração do MP para se manifestar (Foto: Marcelo Ribeiro/Arquivo TM)

Conforme documentação à qual a Tribuna teve acesso, o denunciante anexou certidões de nascimento e fotos que provariam que o homem nomeado seria filho do irmão da esposa de André Mariano. “Está caracterizado que é parente de terceiro grau em linha colateral por afinidade, por ser sobrinho do cônjuge, no caso esposa, do vereador André Luiz Gomes Mariano. Fica elucidada a improbidade administrativa”, afirma o texto da denúncia. Em contato telefônico com a Tribuna, o vereador André Mariano afirmou que ainda não manifestaria sobre os questionamentos e aguardaria os desdobramentos da apuração.

“O Nepotismo constitui ato de improbidade administrativa e é vedado primeiramente pela própria Constituição Federal, pois contraria os princípios da administração pública, sendo qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”, reforça denúncia. O texto aponta ainda que a nomeação afronta lei federais, como a Lei de Improbidade Administrativa, e também legislação municipal (a Lei 11.743/2009), que “proíbe a prática de nepotismo na Câmara Municipal de Juiz de Fora”.

A lei municipal em questão define que constituem prática de nepotismo o “exercício de cargo em comissão (…) de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos vereadores ou servidor em cargo de direção, chefia e assessoramento”. Em vigência há dez anos, a norma estabelece ainda que, antes da posse, o servidor nomeado pelo Poder Legislativo deve apresentar “declaração de que não tem parentesco consanguíneo, em linha reta ou colateral, ou por afinidade, até o terceiro grau, com vereador, bem como com servidor ocupante de cargo de direção, chefia e assessoramento, no âmbito da Câmara”.

“Será que o comissionado (…), antes de assumir o cargo, apresentou a declaração de que não tem parentesco consanguíneo, em linha reta ou colateral, ou por afinidade, até o terceiro grau, com o vereador?”, questiona o denunciante. Na denúncia, o autor solicita que uma ação civil pública seja ajuizada e pleiteia antecipação liminar de tutela de urgência por improbidade administrativa com a suspensão dos direitos políticos de André Mariano.

O denunciante cita ainda a 13ª Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) que veda o nepotismo nos Três Poderes, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. Tal dispositivo deve ser seguido por todos os órgãos públicos. Na prática, o dispositivo proíbe a contratação de parentes de autoridades e de funcionários para cargos de confiança, de comissão e de função gratificada no serviço público. Assim, conforme o enunciado da súmula, fica vedado “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios”.

Conforme levantamento feito pela Tribuna, no Portal de Transparência da Câmara, o comissionado apontado como sobrinho da esposa de André Mariano foi nomeado para a função de assessor de suporte de imagem no dia 13 de fevereiro e exonerado no 19 de junho. O desligamento ocorreu após a 22ª Promotoria de Justiça ter aberto uma notícia de fato para averiguar a denúncia da suposta prática de nepotismo na Câmara, procedimento este que foi instaurado no dia 3 de junho e, já encerrado, antecedeu a abertura do inquérito civil. Também em pesquisa feita no site da Câmara, a reportagem identificou que o cargo comissionado de assessor de suporte de imagem tem vencimento mensal bruto de R$ 3.649,66, o que corresponde à remuneração líquida de cerca de R$ 3.115,77 ao mês.

Ex-vereador protocola questionamento na Comissão de Ética

Além de ser apurada em inquérito civil proposto pela 22ª Promotoria de Justiça, a suposta prática de nepotismo atribuída em denúncia ao vereador André Mariano também é analisada pela Comissão de Ética e do Decoro Parlamentar da Câmara. A representação foi apresentada pelo ex-vereador José Emanuel (PSC). Caso os questionamentos levem à cassação do mandato de Mariano, Emanuel seria diretamente beneficiado, uma vez que ele ficou com a primeira suplência do PSC – que também elegeu Vagner de Oliveira – nas eleições de 2016, somando 2.502 votos.

Na representação, José Emanuel solicita à comissão “apreciação e providências relativas à referida denúncia, que é uma falta grave de improbidade administrativa que constitui a quebra de decoro parlamentar cometida pelo vereador/1º secretário da Mesa Diretora, André Mariano”. No texto, o ex-vereador reforça entendimento de que o colega de partido cometeu ato de nepotismo ao nomear um parente “em terceiro grau colateral por afinidade”. Presidente da Comissão de Ética e Decoro, o vereador Rodrigo Mattos (PHS) afirmou que o colegiado ainda se debruça sobre o caso e disse que uma posição final deve ser tomada até o próximo dia 17, quando se expira o prazo para a avaliação da denúncia.

“Sendo o nepotismo um ato de improbidade administrativa, fica caracterizada a quebra de decoro parlamentar”, afirma José Emanuel. O ex-vereador considera ainda que o fato de André Mariano ocupar a função de primeiro secretário na Câmara agrava a possível prática de nepotismo, uma vez que, por conta da posição, teria assinado e avalizado a nomeação do sobrinho de sua esposa. “O mesmo sabe as atribuições e competências da Mesa Diretora à qual pertence, sendo os serviços administrativos um deles, e a nomeação para cargo em comissão ser um dos atos administrativos de sua competência”, afirma a representação.

Assim, na denúncia protocolada em junho, José Emanuel pede que as sanções previstas em lei sejam aplicadas ao vereador André Mariano. Neste sentido, ele cita trechos da Lei Orgânica do Município de Juiz de Fora e do Regimento Interno da Câmara Municipal que prevê que “perderá o mandato” aquele que “proceder de modo incompatível e com o decoro parlamentar”; e “que se utilizar do mandato para a prática de atos de corrupção ou de improbidade administrativa”.

Colegiado também avalia denúncia contra Castelar

Também deve ser debatido na Comissão de Ética e do Decoro Parlamentar da Câmara um questionamento sobre possível quebra de decoro parlamentar do vereador Wanderson Castelar (PT). A representação foi protocolada por Roberta Lopes Alves, coordenadora do Movimento Direita Minas em Juiz de Fora. Na petição, a denunciante cita que, no dia 8 de janeiro deste ano, ela teria sido agredida “verbalmente” e “com um tapa a fim de arrancar um cartaz de protesto” de suas mãos. Ainda de acordo com a denúncia, o entrevero resultou nos registros de uma ocorrência junto à Polícia Militar e de uma queixa-crime.

“O parlamentar proferiu diversos xingamentos e acusações à minha pessoa e aos demais membros do movimento que me acompanhavam”, afirma Roberta. Desta maneira, a representação solicita que a Comissão de Ética e do Decoro Parlamentar instaure um processo disciplinar para apurar quebra de decoro parlamentar de Castelar, além de que “seja determinada a realização de exame de sanidade mental para comprovar eventual incapacidade psíquica do representado para o exercício da função legislativa” e que, “na discussão do mérito da matéria, seja dado o Direito de resposta à representante, proporcional ao agravo cometido pelo vereador”.

A Tribuna tentou contato telefônico com Wanderson Castelar sobre a representação, mas as ligações não foram atendidas.

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Parlamentar é alvo de representação em comissão da Câmara (Foto: Olavo Prazeres/Arquivo TM)

Conforme consta em imagens do próprio Poder Legislativo em seu canal no YouTube, o clima tenso na Casa se deu quando da discussão de projeto de lei que defendia a concessão de título de cidadão honorário ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) – texto que acabou aprovado em segundo turno na ocasião -, proposta que tinha o apoio de representantes de grupos de direita que apoiavam a proposta.

Contrário à concessão do título, Castelar se posicionou por vezes em defesa da rejeição da proposta. As falas do petista resultaram em protestos dos presentes e, ao menos em um momento da sessão, uma discussão entre o vereador e a denunciante é identificável por meios das imagens da JFTV Câmara.

Uma vez mais, Rodrigo Mattos, presidente da Comissão de Ética e Decoro, afirmou que ainda decorrem os prazos para análise e para um posicionamento final sobre o caso.

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