Oito candidatos a vereador com patrimônio acima de R$ 300 mil receberam auxílio emergencial
Conforme o Tribunal de Contas da União (TCU), concessão de benefícios nestes casos foi suspensa após manifestação do órgão
O Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou na última sexta-feira (6) uma relação que contém os candidatos que declararam patrimônio igual ou superior a R$ 300 mil e que receberam alguma parcela do auxílio emergencial até julho de 2020. Em Juiz de Fora, constam na relação os candidatos Sérgio Luiz Ribeiro Júnior (Júnior Cell, PV), Cristina Reinsperger (PTC), Nilton Loreto (Novo), Stella Veiga (PTC), Yonne Haddad (PSD), Priscila Souza (PSD), Gustavo Rodrigues (Podemos) e Ubiratã Mattos (Bira, DC). De acordo com as informações do TCU, todos os oito candidatos à Câmara Municipal de Juiz de Fora tiveram suspensa a concessão dos benefícios, que havia sido solicitada por meio do aplicativo da Caixa Econômica Federal.
Em todo o país, 10.724 mil candidatos aparecem na lista dos que receberam o benefício, sendo que 1.320 informaram patrimônio acima de R$ 1 milhão, segundo o ministro do TCU, Bruno Dantas. Em Juiz de Fora, o patrimônio dos oito concorrentes que integram a lista varia de R$ 300 mil até R$ 961 mil. “Dessa forma, cabe esclarecer que o resultado exposto na planilha elaborada pelo TCU denota a presença de candidatos que declararam patrimônio igual ou superior a R$ 300 mil e que receberam alguma parcela do auxílio emergencial até julho de 2020, constituindo, assim, potenciais integrantes do rol de inclusões indevidas do benefício, uma vez que há tão-somente indícios de que possuem renda incompatível com as regras do programa”, afirma o despacho do ministro Bruno Dantas.
A lista disponibilizada contém o cruzamento de dados realizado pelo TCU e pelo Ministério da Cidadania. “Importante destacar que o Ministério da Cidadania deliberou pelo cancelamento de todos os benefícios detectados pelo TCU, sem prejuízo da possibilidade dos beneficiários contestarem nos canais adequados. A única exceção se refere a benefício concedido judicialmente”, afirma o Tribunal de Contas da União.
‘Alertas importantes’
O TCU, todavia, alertou que os “resultados são apenas indícios de renda incompatível com o auxílio”. Assim, o Tribunal ressaltou que existem risco de “erro de preenchimento pelo candidato” e “de fraudes estruturadas com dados de terceiros”. Assim, órgão afirmou ainda que “só o Ministério da Cidadania pode confirmar se o pagamento é indevido” e apenas o “TSE pode confirmar eventuais crimes eleitorais”.
“O papel do TCU é garantir o bom uso do dinheiro público. Os dados dos candidatos são públicos e estão disponíveis no site do TSE. Os dados dos beneficiários do auxílio são públicos e estão no Portal da Transparência”, diz o TCU.
Três concorrentes aportaram recursos próprios em suas campanhas
Neste caso, chama a atenção a situação Júnior Cell (PV), Nilton Loreto (Novo) e Gustavo Rodrigues (Podemos), que, a despeito de terem solicitado e recebido o auxílio emergencial do Governo federal, fizeram aporte de recursos próprios para o financiamento de sua candidatura.
Loreto, por exemplo, declarou como bens um imóvel em Itajubá (MG); uma casa em Ubatuba (SP) e um automóvel, além de aportar R$ 100 em sua campanha. Em nota encaminhada à Tribuna, Loreto afirmou que, embora seja advogado por profissão, “por razões econômicas e de mercado” atuou em caráter temporário como motorista de aplicativo – microempreendedor individual – para complementação de renda e, por isso, solicitou o benefício.
“Oportunamente, em ato de cumprimento do dever legal, declarei à Justiça Eleitoral os bens que possuo que, embora indisponíveis e incertos, tendo em vista serem expectativas de direito em processo judicial de divórcio, somam R$ 476.264. Posteriormente, com o advento da Medida Provisória 1.000/2020, que instituiu o auxílio emergencial residual, o inciso VI, do parágrafo 3º, do art.1º, excluiu do benefício aquelas pessoas que, assim como eu, possuíssem patrimônio superior a R$ 300 mil reais.”
No entanto, o candidato acrescentou que, apesar de ter declarado os bens superiores a R$ 300 mil à Justiça Eleitoral, o benefício foi depositado pela União da mesma maneira. “A União depositou uma parcela, no valor de R$ 300, a título de auxílio emergencial residual, o qual sabemos indevido. Tomando conhecimento da irregularidade cometida pelo sistema de pagamento do benefício, e independentemente de notificação ou intimação, tomei as medidas necessárias para a devolução do valor indevido (…). Tendo tudo isso em vista, repudio qualquer conclusão de que eu tenha sido autor de ação irregular.”
Gustavo Rodrigues, que teria recebido o auxílio emergencial, colocou R$ 3.685 do próprio bolso em sua campanha e informou ao TSE a posse de bens como um automóvel, uma moto, um apartamento e uma academia de ginástica, totalizando R$ 327 mil. Até o fechamento desta edição, a Tribuna não conseguiu contato com o candidato.
‘Não tinha dinheiro’
Por fim, o maior patrimônio declarado por aqueles que integram a lista do TCU é de Júnior Cell, que requereu o auxílio emergencial pelo aplicativo da Caixa. Agora, no processo eleitoral, o candidato do PV aportou pouco mais de R$ 13 mil em recursos próprios para financiar a sua campanha à Câmara. Júnior Cell se apresentou ao TSE como empresário e declarou como patrimônio um terreno na cidade de Piau, uma casa no Bairro Santo Antônio, dois veículos (um 2011 e outro 2014), aplicação na poupança e a participação em uma microempresa orçada em R$ 500 mil. A relação de bens totaliza pouco mais de R$ 960 mil.
À Tribuna, Júnior Cell afirmou que, à época em que solicitou o auxílio emergencial, estava “desesperado”, já que a loja de peças para celulares da qual era dono estava fechada devido às restrições de funcionamento de atividades econômicas. “Não tinha pra quem vender, como buscar mercadorias etc., por isso, pedi auxílio emergencial. Só recebi um mês, mas devolvi, ainda hoje, à União, o valor integral de R$ 600. A pedido do meu contador, cancelei o auxílio emergencial após receber por um mês apenas. (…) Sou comerciante. O comércio fechou, então não tinha para quem vender. Eu estava desesperado. Eu tinha que fazer alguma coisa. Eu precisava fazer alguma coisa. (…) O meu dinheiro, naquele momento, estava todo em mercadorias. Não tinha dinheiro em caixa nem na poupança.”
Questionado sobre os R$ 60 mil em poupança declarados à Justiça Eleitoral, além dos dois veículos, o candidato apontou que o montante diz respeito às vendas acumuladas após a reabertura do comércio.
“Consegui o valor de R$ 60 mil depois que as lojas começaram a reabrir. Fiquei três meses parado, sem fazer nada, com as lojas fechadas. Depois deste período, a mercadoria já valia muito mais do que no período anterior. Foi um excelente o fluxo de vendas depois que reabri. Não estava entrando mercadorias no país. Ninguém tinha mercadoria, mas eu, sim. As minhas mercadorias acabaram ‘voando’.” Conforme Júnior Cell, quando solicitou o benefício, ainda se enquadrava juridicamente como microempreendedor individual, e, posteriormente, após a reabertura, mudou o registro da própria loja para microempresa. Então, teria comprado os veículos para expandir os próprios negócios.
‘Ninguém comprava mais nada’
Dentre os oito candidatos de Juiz de Fora que integram a lista, os perfis dos patrimônios são bastante distintos. Nas situações de Cristina Reinsperger (PTC), Stella Veiga (PTC), Priscila Souza (PSD) e Bira Mattos (DC), há um único patrimônio declarado _ no caso, um imóvel. Sendo que, especificamente nos casos de Cristina, Stella e Priscila, a declaração de bens diz respeito a um percentual do imóvel informado ao TSE. Já no caso de Yonne Haddad (PSD), o patrimônio declarado se refere a um imóvel e um veículo.
Em contato com a Tribuna, Priscila explicou que, uma vez que é autônoma, solicitou o auxílio emergencial para complementar a renda durante a pandemia, já que as vendas de cosméticos caíram, assim como a renda do próprio esposo, que trabalha como mecânico e não recebe um valor mensal fixo.
“O meu registro de microempreendedora individual está como vendedora de cosméticos. Com a pandemia, ninguém estava saindo às ruas, ninguém comprava mais nada etc. Normalmente, anuncio os meus produtos pela internet, mas os entrego pessoalmente para os clientes. Inclusive, costumávamos nos encontrar, antes da pandemia, na Avenida Getúlio Vargas, na região central. Vendo para os meus vizinhos, mas para o Centro também, o que também dificultou as vendas.”
A candidata do PSD ressaltou que recebeu apenas o auxílio emergencial de R$ 600, não aquele residual, que exige patrimônio inferior a R$ 300 mil dos beneficiários. “Faltou respaldo jurídico à minha declaração de bens, porque tenho usufruto em um apartamento estimado em R$ 350 mil, mas com outros dois irmãos. Não sei o porquê foi registrado o valor total do apartamento e não aquele dividido. Se, por exemplo, vendêssemos o apartamento de hoje para amanhã, repartiria o valor com os meus irmãos, o que daria aproximadamente R$ 115 mil para cada um.”
‘Estava sem renda alguma’
A exemplo de Priscila, a candidata Yonne Haddad, microempreendedora individual em vendas de acessórios, solicitou acesso ao benefício diante da ausência de renda durante a pandemia. “Tanto eu como meu marido tivemos as atividades suspensas assim que começou a pandemia. A fábrica que represento, que é de São João Nepomuceno, parou de funcionar durante meses. A fábrica é artesanal, e, quando as indústrias foram autorizadas a retomar as atividades, não foi logo liberada, justamente por conta da especificidade da atividade. Então, solicitei o auxílio emergencial porque estava sem renda alguma. Tive ainda a ajuda de amigos e familiares naquele período, inclusive.” Yonne confirmou à Tribuna os bens declarados à Justiça Eleitoral, que, de acordo com a candidata, têm valores estimados.
Entretanto, conforme o levantamento do TCU, Yonne seria ainda beneficiária do auxílio residual, no valor de R$ 300, cujos requisitos limitam beneficiários com patrimônio superior a R$ 300 mil, como é o caso da candidata. “Recebi o auxílio emergencial por cinco meses. Quando foi feita a extensão recentemente para o auxílio residual, não sabia do critério do teto de patrimônio, mas continuei cadastrada da mesma maneira. Então, como tenho um patrimônio superior a R$ 300 mil, achei que não receberia o auxílio. Depois das informações divulgadas pelo TCU, fui analisar a situação em que estava e o cadastro estava aprovado. Mas, até agora, não recebemos nenhum valor. Parece que vai ser depositado a partir do mês que vem. Vamos pedir o cancelamento.”
A Tribuna não conseguiu, até o fechamento da edição deste texto, contato com os candidatos Stella Veiga (PTC) e Bira Mattos (DC), mas permanece à disposição para ouvi-los.
Candidata diz ser vítima de golpe
A candidata Cristina Reinsperger (PTC), por sua vez, questionada sobre a presença na relação de beneficiários mesmo com patrimônio avaliado em R$ 800 mil, apontou que os próprios dados foram utilizados para um golpe. De acordo com Cristina, somente após ter ciência da relação divulgada pelo TCU, tomou conhecimento da situação em que estaria envolvida. “Não recebi nada. Moro em uma casa avaliada em R$ 1,6 milhão, cuja metade é minha e a outra, do meu ex-marido. Não seria maluca em solicitar o auxílio emergencial, sendo que ainda declarei um veículo que tenho”, afirmou. O valor a que se refere Cristina diz respeito a 50% de um imóvel localizado no Parque Jardim da Serra, conforme informações declaradas à Justiça Eleitoral.
A candidata ressaltou que tem “certeza” de que os seus dados foram utilizados por uma terceira pessoa para cadastrá-la entre aqueles solicitantes do benefício. “Tenho certeza que alguém teve acesso aos meus dados e, de posse disso, fez a solicitação para o auxílio emergencial pelo aplicativo. (…) Ao que parece, os outros candidatos estavam em situação econômica difícil e utilizaram o benefício mesmo, ok, mas eu estava o tempo todo negando a quem me perguntava, porque realmente não fiz cadastro nenhum.”
Cristina acrescentou que, passadas as eleições, tomará as medidas cabíveis. “Vou judicializar a questão, sim. Inclusive as pessoas físicas que estão denegrindo a minha imagem. Não tenho a menor dúvida. Já tenho 63 anos, não sou uma garota. As multas de trânsito são a única coisa que tenho errado em minha vida.”