Projeto obriga oferta de garagem em apartamentos construídos em JF
Legislação atual flexibiliza disponibilidade de vagas em imóveis menores; proposta desagrada setor da construção civil
A Câmara Municipal de Juiz de Fora discute um projeto de lei que quer tornar obrigatória a disponibilização de vagas de garagens em todos os apartamentos residenciais a serem erguidos em Juiz de Fora. A proposta é tema central de um projeto de lei complementar de autoria do vereador Adriano Miranda (sem partido).
O dispositivo pretende alterar a Lei Complementar 54/2016 que dispõe sobre a relação de vaga de garagem por unidade autônoma em imóveis multifamiliares de Juiz de Fora. Na prática, o parlamentar defende que seja disponibilizada vagas de garagem para “toda unidade residencial multifamiliar”.
A legislação vigente é mais flexível e define a relação vagas/unidades mínima para residências multifamiliares em uma vaga para cada quatro unidades em apartamentos até 55 metros quadrados; e de uma para cada duas unidades em imóvel multifamiliar com área entre 56 e 70 metros quadrados.
Já para apartamentos maiores, que vão de 71 a 160 metros quadrados, a lei prevê a disponibilidade de pelo menos uma vaga e de no mínimo duas para imóveis acima de 160 metros quadrados.
Proposta de alteração
Na proposta em debate na Câmara, o vereador sugere a obrigatoriedade de disponibilização de uma vaga de garagem para apartamentos de até 160 metros quadrados e de duas vagas para apartamentos com área superior a 160 metros quadrados. Na proposição, todos os imóveis até 160 metros quadrados deverão disponibilizar pelo menos uma vaga e acima desta metragem, no mínimo duas.
Para justificar a mudança na legislação, o vereador reconhece que a “mobilidade urbana é um tema amplamente debatido nos contextos atuais”. “A tendência internacional de mobilidade urbana baseada em transportes públicos, pedestrianismo e bicicletas não é novidade no mundo; no entanto, infelizmente esta não é a realidade de Juiz de Fora, que não conta com ciclovias e opções em transporte público. Desta forma, inegável que a dependência do carro ainda é um problema cuja solução está distante em nosso Município”, considera o parlamentar.
Adriano Miranda diz ainda que, nos moldes da legislação vigente, “o número de carros é muito maior que o número de vagas existentes, gerando grandes problemas não para os moradores, e também para a própria cidade, que não raro tem suas ruas e avenidas tomadas por veículos estacionados, até mesmo em locais proibidos”.
Construção Civil considera proposta um retrocesso
A proposição tem sido criticada por representantes da construção civil de Juiz de Fora. Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Juiz de Fora (Sinduscon), Aurélio Marangon afirma que a categoria é contrária à proposição que, a seus olhos, “prejudica o mercado e a própria sociedade. “Muita gente não tem carro ou não dirige, e as vagas de garagem oneram o preço final do produto”.
Segundo Marangon, a disponibilização da vaga de garagem aumenta o preço final dos apartamentos entre R$ 50 mil e R$ 70 mil. “É preciso uma flexibilização. É um absurdo obrigar e tirar o direito do consumidor de escolher uma unidade sem vaga de garagem.” Para o presidente do Sinduscon, a proposição contraria tendência mundial e o crescimento da prática de carros compartilhados, por exemplo. “Está na contramão da modernidade”.
A percepção é compartilhada pelo engenheiro e sócio do Grupo Rezato, José Alair Nogueira da Cunha, que classificou a proposição como “retrocesso”, citando esforços para diminuir o número de veículos em cidades como Barcelona. “Hoje, no mundo inteiro, tudo é feito para valorizar o transporte coletivo”, considera o profissional. Para José Alair, “a garagem é uma opção do cliente”. “Muitas vezes, ele não quer.”
“A garagem é algo caro e encarece também os custos do condomínio, que são despesas para toda a vida”. Assim como o presidente do Sinduscon, o engenheiro defende maior flexibilidade da lei e considera que mercado se autorregula. “Se os clientes tiverem interesse em vagas de garagem, o mercado atende.”
Tramitação
O projeto de lei complementar em questão iniciou tramitação em agosto do ano passado e já figurou na pauta de votação em dez oportunidades, sempre tendo sua apreciação adiada por pedidos de vistas manifestados por outros vereadores. Tal situação se repetiu nesta segunda-feira (6), quando o texto constou na ordem do dia, mas a votação foi postergada uma vez mais por solicitação de Juraci Sheffer (PT).
Especialista defende extinção de exigência
Integrante do Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB-SP), Hannah Arcuschin Machado considerou que a proposição em debate na Câmara vai na contramão das melhores práticas e de discussões recentes que já ganharam ou ganham corpo em grandes centros brasileiros como São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza em Curitiba.
Para ela, Juiz de Fora deveria estar discutindo a possibilidade de flexibilização de exigência de oferta de vagas de garagem em unidades multifamiliares e não um recrudescimento da exigência como sugere o projeto complementar em questão.
“O atual Plano Diretor de São Paulo e as melhores legislações municipais do país extinguiram a exigência de vagas de garagem nestes imóveis. São Paulo, por exemplo, vai além e, nas áreas próximas a corredores de transporte coletivo e estações de metrô, por exemplo, existem limites máximos para a oferta de vagas de garagem em unidades habitacionais”, explica. Para ela, as mudanças trouxeram diversos aspectos positivos, destacando que as novas regras possibilitaram a viabilização de empreendimentos com características mais populares em áreas mais centrais das cidades.
“Os impactos positivos abrangem várias dimensões e destaco duas. Uma delas é que a não exigência permite um melhor uso do espaço e permite que pessoas de baixa renda consigam maior possibilidade de acesso a áreas mais centrais. Outra é que a não oferta de vagas de garagem desincentiva o uso do carro e leva a uma conscientização sobre gastos, que, talvez, não seriam levados em conta caso a vaga existisse, o que muitas vezes leva as pessoas a optarem pelo transporte coletivo”, afirma.
No caso de São Paulo, outra diretriz definida pelo Plano Diretor para desestimular o uso de automóveis e diminuir a do modal saturado para a mobilidade urbana em São Paulo foi a regra em que os empreendimentos construídos nos chamados “Eixos de Estruturação da Transformação Urbana” permitiram incluir as áreas de vagas de garagem no cálculo da área computável.
“Com isso, começaram a ocorrer lançamentos de unidades residenciais com poucas ou sem vagas de estacionamento para veículos, como estimulado pelo Plano”, afirmou a Prefeitura de São Paulo no ano passado, em relatório que trouxe um balanço de cinco anos de vigência do Plano Diretor Estratégico da cidade.