Vereadores querem restringir eventos próximo a igrejas

Projeto de lei em tramitação restringe realização a raio superior a 200 metros de distância de hospitais, casas de repouso, templos e missas


Por Renato Salles

04/08/2019 às 07h00

parque
Festas no Parque Halfeld, próximos à Igreja São Sebastião, podem ficar comprometidas (Foto: Fernando Priamo)

Um grupo de oito vereadores está sugerindo regras mais duras para a realização de eventos em vias públicas de Juiz de Fora. De acordo com projeto de lei que iniciou tramitação na Câmara em julho, festas e eventos previstos ou não no calendário oficial do Município só serão autorizados caso se mantenham a um raio de distância de pelo menos 200 metros de “hospitais, casas de repouso, templos e de qualquer culto em horário de culto e igrejas em horário de missa”.

As restrições propostas valeriam tanto para a concentração, dispersão, deslocamento ou itinerário de pessoas, bem como para a instalação de qualquer equipamento de suporte que vise a realização ou o conforto dos participantes de eventos realizados em “logradouro público, parque ou espaço não edificado”.

Ainda de acordo com a proposição, uma vez que o evento seja licenciado, ele deverá seguir as vedações sugeridas pelo dispositivo, sob o risco de, em caso de desrespeito aos limites sugeridos, ficar sujeito à imediata interrupção pela fiscalização, além de ser autuado administrativamente.

Entre as sanções previstas estão a perda do direito de pleitear novo licenciamento pelo período de dois anos. O projeto de lei leva a assinatura dos vereadores Júlio Obama Jr. (PHS), André Mariano (PSC), Carlos Alberto Mello (Casal, PTB), José Fiorilo (PTC), João Coteca (PR), Nilton Militão (PTC), Wagner França (PTB) e Luiz Otávio Coelho (Pardal, PTC).

Em justificativa anexada ao dispositivo, o grupo de vereadores afirma que “ao longo de várias oportunidades, se verifica que eventos realizados em logradouros públicos e que possuam aglomeração de pessoas acabam por causar danos e prejuízos a uma série de imóveis situados no entorno”.

“A cidade merece eventos, entretanto, alguns atrapalham o trânsito e estacionamento próximos aos hospitais, casas de repouso, templos e igrejas, dificultando e muito o acesso, incomoda com as suas músicas altas momentos de oração, reflexão e repouso. O objetivo não é proibir qualquer evento e sim apenas criar uma distância de segurança”, argumentam os autores da proposição.

Regras atuais

Segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Ordenamento Urbano (Semaur), para autorizar a realização de eventos, é observado o Código de Posturas do Município e a legislação específica para eventos, além do que está disposto em decreto de 2015. A pasta reforça que as normas vigentes não definem regras ou restrições no que dizem respeito à obrigatoriedade de que tais eventos sejam realizados respeitando distância de hospitais e casa religiosas. O decreto estabelece aspectos burocráticos para a autorização de realização de eventos, reforçando, entre outros pontos, que as atividades devem ter autorização do Corpo de Bombeiros e da Secretaria de Transporte e Trânsito e, quando for necessário, adequação acústica.

Vedação pode se estender a locais de aplicação de provas

No mês passado, o vereador Adriano Miranda (PHS) havia apresentado projeto de lei que também aborda regras para a realização de eventos em vias públicas de Juiz de Fora. De acordo com a proposição que também tramita na Câmara, o parlamentar defende que a proibição de eventos nas vias e logradouros públicos situados no entorno dos locais de aplicação de prova nos dias e horários de processo seletivo para ingresso nas universidades públicas e concursos destinados a provimento de cargos públicos.

Para a definição de “entorno”, o texto estabelece que a proibição se estenda até um raio de um quilômetro do local das provas. Ainda segundo a proposição, a proibição valerá “a todo o período do dia que antecede ao horário estipulado para o início da prova e se estende até 30 minutos após o horário estipulado para o seu término”. Caso aprovada, a matéria prevê incidência de multa de R$ 5 mil para quem for flagrado desrespeitando a vedação.

Segundo Adriano Miranda, o projeto de lei tem inspiração em reclamações de estudantes sobre problemas causados por eventos realizados em espaços públicos nos dias e horários de realização de concursos e processos seletivos importantes, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo.

“Neste sentido, certo é que a cessão de vias e logradouros públicos de nosso Município para realização de eventos nas datas e horários da aplicação das provas pode acarretar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação àqueles estudantes que se dedicaram meses ou até anos a fio para prestar exames tão importantes para o seu futuro”, afirma o vereador. Adriano destaca ainda que tais eventos, realizados próximos dos locais de provas durante sua aplicação, “acarretam dificuldades no trânsito e acesso dos candidatos” e provocam outros problemas como o “som alto”, o que pode prejudicar os candidatos.

Produtores culturais temem engessamento

Caso o projeto de lei seja aprovado conforme seu texto original, produtores culturais da cidade temem que a proposição possa dificultar – ou até mesmo impedir a realização de eventos em áreas públicas. Citando apenas pontos tradicionais de atividades abertas na área central da cidade, as regras sugeridas podem inviabilizar atividades no Parque Halfeld, próximo à Igreja São Sebastião, e nas praças da Estação e Antônio Carlos, que possuem ao menos uma igreja evangélica próxima, em um raio de menos de 200 metros.

Como exemplo, um evento realizado no último dia 14 de julho, no Parque Halfeld, o Sessão Instrumental, que abriu espaço para apresentações ao vivo de jazz, música latina e discotecagem, poderia ter a autorização para sua realização dificultada. Isto porque a atividade aconteceu em um domingo, entre 12h e 18h. No mesmo dia, a Igreja São Sebastião realizou missas às 7h30, 9h30, 11h e 18h30. Horário em que, além do evento, não poderiam ser realizadas a instalação dos equipamentos ou a dispersão dos presentes.

“É uma proposta que prejudica a produção cultural na cidade e prejudica a população de modo geral. O parque Halfeld é o coração da cidade e é um lugar que é das pessoas, onde há a possibilidade de realização de eventos, dentro das adequações que o espaço permite, naturalmente”, avalia o produtor cultural Gibran Lamha, organizador do Sessão Instrumental.

Para Gibran, a proposição chega a ser “autoritária”. “É uma proposta que vai de encontro ao que a própria cidade tem aceitado ultimamente. De cinco anos para cá, Juiz de Fora passou a aceitar, com grande abertura, os eventos que são realizados ao longo do dia e terminam mais cedo. É uma proposta equivocada, completamente contrária ao que acontece nas grandes cidades do mundo.”

Produtora cultural e DJ, Amanda Messias, que trabalha com o projeto Makoomba, iniciativa de jovens negros que visa a criar entretenimento e propagar a cultura negra na cidade e na região, também teme que o projeto possa engessar a incidência de eventos em vias públicas. “Pode prejudicar a realização de muitos eventos, e o trabalho dos produtores culturais e de pessoas que dependem deste tipo de acontecimento na cidade”.
Amanda destaca ainda que a cidade já carece de maior incentivo para as atividades culturais, que, a seu ver, não são priorizadas pelos governos municipal, estadual ou federal, tampouco pela iniciativa privada. “Quando acontece, temos uma limitação muito grande a respeito da segurança. Sempre encontramos dificuldades com a Polícia Militar e com a Prefeitura para proteger esse tipo de evento para que ele venha acontecer.”

A DJ destaca ainda a importância econômica e social da realização de eventos em espaços públicos. “É importante a gente perceber que existem muitas pessoas que trabalham com eventos em Juiz de Fora. É uma cidade em que o entretenimento está muito ligado a estes eventos, visto que a gente não tem outras grandes opções de entretenimento, o que é possível através destas praças”, avalia.

‘Liberdade individual’

Designer gráfico, artista visual e DJ, Cléber “Kureb” Horta aponta ainda o perfil genérico contido na proposta defendida pelo projeto de lei que tramita na Câmara. “Que tipo de evento vai ser atingido? Grande? Pequeno? Cada evento tem sua particularidade, que precisa ser analisada de maneira responsável”, afirma.

Para Kureb, já existem leis para garantir direitos e liberdades individuais que regulam a realização de eventos em espaço públicos, além de outras que tratam da propagação de ruídos que, de certa forma, são negligenciadas pelo Poder Público. “Moro no Centro. Tem um bar com um alvará de funcionamento 24 horas. Fica aberto até cinco horas da manhã e vão fazer seis anos que não consigo dormir a noite inteira”, destaca, ressaltando que apresentou à Prefeitura um abaixo-assinado de moradores em busca de uma equação para o problema.

“Não tem material humano para fazer uma fiscalização decente nas questões que envolvem a poluição sonora da cidade. Tapar um buraco com lei é uma demonstração de que as pessoas que tomam essas decisões de fazerem leis estão desalinhadas com o que a sociedade precisa hoje”, afirma o DJ, que realiza eventos em espaço público, reforçando que sua opinião não reflete qualquer tipo de alinhamento político.

Para ele, atacar eventos abertos denotam vieses autoritários. “Em que um evento de música, às 16h, vai atrapalhar alguém? É até bom colocar as pessoas circulando nas praças. Quando eu faço evento, entrego a rua mais limpa do que quando encontro. A liberdade individual precisa ser respeitada”, pontua.

Roda de samba

Curiosamente, o projeto de lei em questão pode dificultar até mesmo eventos organizados pela própria Câmara, como a roda de samba realizada pelo Poder Legislativo no último dia 22 de fevereiro. Preparativo para o Carnaval, evento que teve início da atividade agendada para às 16h, de uma sexta-feira, mas que se estendeu até a noite. Cabe destacar que às sextas, a Igreja São Sebastião realiza missa às 7h30 e às 19h. Outros blocos carnavalescos que trafegam por ruas centrais da cidade também podem ter suas realizações dificultadas em caso de aprovação do projeto de lei.

 

 

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