Confeiteiras se unem em coletivo para fortalecer negócios
Cerca de 70 mulheres compartilham vivências, trocam experiências profissionais e ajudam uma à outra a prosperar
Em 2020, com o agravamento da pandemia de Covid-19, a confeiteira e empreendedora Paula Serrano percebeu que a melhor estratégia para superar aquele período era a partir de trocas com outras trabalhadoras. Já há 15 anos no mercado, as mudanças trazidas pelo isolamento social fizeram com que muitas mulheres precisassem alterar sua forma de trabalho, e foi assim que, para ela, o grupo surgiu como uma forma de trocar ideias e iniciativas para se manter, assim como dar apoio uma à outra para sobreviverem durante uma crise econômica que deixou milhões de pessoas na linha de pobreza. Foi assim que ela criou o Juntas, coletivo que, em 2023, já reúne cerca de 70 mulheres confeiteiras da cidade, com o propósito de fortalecer seus negócios.
Inicialmente, como ela conta, os esforços foram focados em como continuar os negócios em meio às restrições do isolamento social, além de conseguir bons preços para as compras de matéria-prima para as receitas e acesso aos insumos, que durante aquele período também chegaram a estar em falta na cidade. Com o passar do tempo, o objetivo se tornou maior: “Queremos o fortalecimento da mulher empreendedora, não só enquanto negócio, mas enquanto mulher também. Com acesso a estudos, formação e valorização pelo trabalho feito”, conta Paula. Sendo assim, a fundadora passou a organizar eventos e aulas que orientassem essas mulheres sobre os produtos corporativos e sobre outros eventos, e ainda atraiu fornecedores também para conhecer os trabalhos.
O grupo atualmente reúne uma série de indicações. “Lá a gente se apoia, se ajuda, envia promoções, ajuda as colegas que estão com dificuldade em uma receita ou que precisam de dicas para começar a desenvolver um produto novo, nos juntamos para compras coletivas que permitem valores melhores, divulgamos eventos e participamos de eventos juntas. Eu também envio informações sobre a parte contábil, custos, precificação. Levo para essas mulheres informações para que cresçam e tenham mais oportunidades de negócios”, explica Paula. Em momentos de maior dificuldade, o grupo também pode ser acionado como um ‘SOS’. “Teve um dia que a luz acabou na casa de uma e ela precisava entregar vários bolos, nós nos oferecemos pra ir pra casa de outra e redistribuir. Outra ficou internada e fizemos um mutirão pra entregar os produtos e ela não ficar sem o valor”, explica.
Concorrência
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, como Paula explica, ter um coletivo com mulheres que atuam na mesma área de mercado não significa que não exista competitividade entre elas. “A concorrência é uma coisa de mercado, mas não é uma disputa. Todas nós fazemos coisas similares, mas uma ajuda a outra. O cliente fica com você por vários motivos, como a forma de relacionamento e a fidelização.” Por isso, para Paula, os benefícios dessas mulheres se ajudarem são sempre maiores do que se atuassem sozinhas no mercado, sem apoio, como ela percebeu que acontecia quando começou, há 15 anos, o “Cupcakes da Paula”. “A gente precisa se posicionar no mercado como profissionais, não como amadoras. Mas, para isso, é preciso ter acesso a informação e acompanhar as melhorias nos produtos e nas técnicas”, afirma.
Dificuldades enfrentadas no mercado
Há dificuldades específicas que as confeiteiras enfrentam no mercado, ainda mais considerando que esse trabalho, muitas vezes informal, é feito em grande maioria por mulheres. Para Paula, esses desafios ficam ainda mais claros em dois pontos: “As duas maiores dificuldades da mulher empreendedora são vender e precificar”, diz. De acordo com Isabela Cunha Guimarães, do “Mr. Lui”, que entrou no grupo em 2020 e se tornou uma das administradoras em 2021, um dos principais desafios enfrentados para conseguir estabelecer esses padrões são justamente os preconceitos que a sociedade tem com esse setor. “Acham que é ‘natural’ da mulher aprender desde cedo, então acham que essa gastronomia é fácil, acham que é algo que qualquer mulher pode fazer dentro de casa. Mas não é assim. Temos um negócio, vendemos produtos, é o nosso trabalho. Isso é importante de se compartilhar e lembrar, porque às vezes mesmo a gente esquece do nosso valor”, explica.
Para ela, a troca de informações no grupo sobre como deixar o negócio mais seguro e estável financeiramente é um dos pontos mais importantes de aprendizado. “Muita gente, por exemplo, compra sem dar entrada e, depois que o produto está pronto, não vai buscar. Quem tem um pouco mais de experiência incentiva, explica que tem que pedir sinal, as informações que devem ser pedidas de contato”, conta.
Da mesma forma, Rosemary Reis, do “Doçuras da Rose”, que também participa do grupo desde o surgimento, conta que a orientação que o Juntas traz ajuda a fazer com que muitas mulheres “não desistam no meio do caminho”, pois é um campo que traz várias dificuldades. “É preciso estudar, ter mentorias, conhecer outros trabalhos. Isso faz com que o trabalho seja contínuo. Como muitas pessoas começam a fazer doces sem apoio, os preços ficam muito baixos, e isso prejudica o próprio negócio e a todas as empreendedoras”, explica. No futuro, Paula pretende desenvolver um catálogo com todas as empreendedoras do Juntas e seus serviços, para oferecer diretamente aos fornecedores, facilitando também o processo de compra e venda.
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Trajetórias em comum e autovalorização
Isa é formada em laticínios pela Cândido Tostes, mas começou a pensar em empreender com confeitaria quando engravidou. “Como acontece com a maioria das mulheres, nasce uma mãe e nasce uma empreendedora. Tive minha filha e me formei, mas não conseguiria ir para outra cidade trabalhar em um horário que precisaria, então fiquei um tempo sem emprego”, conta. Assim, ela foi estudando e aprendendo, até mesmo com conteúdos gratuitos na internet, para voltar a ter uma renda.
A história de Isa é similar à de grande parte das mulheres do grupo, assim como a de Rose, que começou seu negócio dois anos após ter seu filho. “Eu precisava e queria voltar a trabalhar, porque sempre tinha trabalhado, mas tinha optado por ficar em casa nos primeiros anos de vida dele. Antes, eu trabalhava no comércio, mas essa atividade exige muito, em termos de tempo e horas, aí vi que não ia conseguir ficar tanto com meu filho. Comecei a procurar algo que pudesse fazer em casa estando junto com ele”, conta.
Paula percebe que esse é um perfil comum entre as profissionais que trabalham nessa área: “São mulheres, em casa, lutando pelos seus negócios para sustentar a sua família. É uma realidade bem diferente de quem tem uma loja. É quem está precisando empreender para sobreviver, porque não conseguiu se recolocar no mercado por algum motivo, geralmente depois que se tornaram mães”.
Por isso, para elas, tornou-se uma realização poder ajudar outras mulheres a crescerem. “Eu tenho como objetivo pessoal ajudar outras mulheres. Hoje, posso dar cursos, ajudando a Paula, e também formação de geração de renda para mulheres na OAB. O grupo ajuda a gente a subir o nível da confeitaria. Não é só ‘bater um bolinho’, tem muito estudo e dedicação por trás”, conta Isa. Da mesma forma, esse encontro entre elas, para Rose, ajuda a enfrentarem os desafios que vivem. “Sabemos o que uma e a outra vivem, os desafios de conciliar a maternidade, muitas vezes também o casamento. Tendo essa ajuda e um apoio que a gente tem, a gente se encontra, conversa, é gratificante”, diz.