Descontos de doações em contas da Oi são alvo de queixa

Procon e Sedecon recebem várias reclamações de cobrança indevida; idosos são as maiores vítimas


Por Fabiane Almeida, estagiária sob supervisão da editora Luciane Faquini

15/12/2019 às 06h36

Desconto de doações a entidades e associações beneficentes em faturas telefônicas de clientes da Oi estão sendo contestadas junto aos órgãos de defesa do consumidor de Juiz de Fora. A Tribuna recebeu a denúncia de uma família que se sentiu lesada ao receber cobrança de R$ 50 em sua conta telefônica. A filha do titular da conta alega que o pai é idoso, tem 87 anos e está acometido por Alzheimer, não tendo condições de responder pelas finanças da casa. Casos parecidos foram registrados pelo Serviço de Defesa do Consumidor (Sedecon) e pelo Procon Juiz de Fora desde 2018, somando um total de 68 casos. A maior preocupação é com a forma como se dá o contato com os doadores, em especial os idosos, considerados vulneráveis.

No Procon JF, chama a atenção que 31 dessas reclamações são contra a Associação de Apoio à Criança e ao Idoso (AACI), sendo que 38,7% delas se referem à cobrança junto a idosos. Com sede no Bairro Nova Era, região Norte, a associação é conveniada à empresa de telefonia, que é responsável por contatar e pedir aos consumidores a ajuda financeira. Segundo o superintendente do Procon/JF, Eduardo Schröder, o número de queixas que envolvem pessoas mais velhas é bastante expressivo, o que é preocupante. “Não estou colocando em dúvida a credibilidade dessa associação, mas as pessoas estão contratando o serviço sem saber do que se trata. E o idoso tem mais fragilidade ao receber pedidos de doações, são mais vulneráveis a serem convencidos, agem por impulso e acabam se arrependendo. Eles acham que é uma doação única, mas o desconto é feito todo mês, e isso não é explicado”, observa.

Considerando que os pedidos de doação seriam feitos por meio de ligação telefônica, em contato com o titular da conta, o superintendente ressaltou a necessidade de entender como é feita a abordagem. “Existe uma conduta das empresas que têm preferido pessoas idosas? Os consumidores são realmente informados da forma como é feito o desconto? E por ser uma associação assistencial, o que está sendo feito com esse dinheiro? Porque todos que coletam dinheiro, se não há fins lucrativos, precisam prestar contas daquilo que faz”, explicou. Segundo o Procon/JF, todas as reclamações recebidas envolvem valores que variam entre R$ 10 e R$ 50 mensais, que seriam equivalentes à quantia que o consumidor desejaria doar à entidade.

eduardo procon
o superintendente do Procon, Eduardo Schröder, alerta que o número de queixas que envolve idosos é bastante expressivo (Foto: Fernando Priamo/Arquivo TM)

A filha do idoso de 87 anos, que preferiu não se identificar, diz que se surpreendeu ao saber da cobrança na conta telefônica do pai. À Tribuna, ela contou que a mãe chegou a ligar para a empresa telefônica, questionando sobre o valor cobrado de R$ 50 mensais. “Quando minha mãe ligou para a Oi, falaram que estava autorizada a cobrança desse valor. Já AACI disse que tinha uma gravação do meu pai, autorizando a doação, mas eles não me apresentaram prova. Apenas uma gravação posterior à reclamação, em que parecia que estavam forçando minha mãe a dizer que antes haviam autorizado a doação e que agora não queria mais. Me disseram ainda que durante a ligação (em que pedem a doação) é feito um questionário, mas não me apresentaram isso. Meu pai tem Alzheimer, ele não sabe dizer se alguém ligou para ele”, relatou. A filha chegou a reclamar no Sedecon, da Câmara Municipal, contra a operadora e foi comunicada pela Oi que o cancelamento podia ser feito apenas pela própria associação. Em contato com a ouvidoria da AACI, ela conseguiu o estorno da quantia paga e recebeu o aviso de que o cadastro havia sido cancelado.

Outro caso

A história se repetiu com outra senhora, que também não quis se identificar. À reportagem, a idosa contou que não havia autorizado qualquer doação, mas recebeu a cobrança de R$10 mensais durante um ano, descontado em débito automático. “Quando fui na Oi questionar, eles falaram que não podiam tirar a cobrança, que devia ser direto com a associação.” A idosa afirma que ligou vários meses seguidos para a AACI e que eles falavam que iriam cancelar na fatura seguinte, mas a cobrança continuava. “Só consegui cancelar quando fui ao Procon/JF. É um absurdo a operadora aceitar isso sem confirmar se realmente autorizamos a doação”, reclamou, dizendo ainda não ter recebido qualquer ligação que pedisse pela doação. Segundo ela, o caso aconteceu também com outros dois idosos da família.

Segundo o Procon/JF, todos os casos reclamados ao órgão foram resolvidos. Casos semelhantes foram verificados também pelo Sedecon, que, no período de janeiro de 2018 a outubro de 2019, verificou 37 reclamações, todas contra a empresa Oi, que fica com parte das doações como remuneração pela cobrança no boleto do consumidor. As reclamações citam não só a AACI, como também outras entidades: a Legião da Boa Vontade (LBV) e o Instituto Beneficente Lar de Maria (IBLM). O órgão não conseguiu, porém, verificar a idade dos consumidores. Já o valor das parcelas também variam de R$10 a R$ 50, sendo que, em cinco das reclamações, os valores foram descontados apenas uma vez. Segundo o Sedecon, apenas duas reclamações recebidas pelo órgão não tiveram resolução. Dos casos solucionados, 50% obtiveram o cancelamento do desconto, enquanto a outra metade teve a restituição dos valores descontados, além do cancelamento.

Procon vê desrespeito ao CDC

Segundo o Procon/JF, a conduta da AACI feriria o artigo 39, inciso 4º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que diz que “é vetado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.” A arrecadação destinada à empresa telefônica é considerada pelo Procon uma remuneração paga pelas instituições ao serviço prestado (de descontar a doação na conta de telefone).

“Estamos evoluindo na questão relativa a essa forma de contratação, pois não é uma relação de consumo da AACI com os clientes da operadora, porque é uma doação. Mas ao mesmo tempo, questionamos várias coisas à AACI, que respondeu mandando status social e outras informações. Agora estamos analisando a questão de como a associação tem acesso aos dados pessoais, porque existe hoje a Lei de Proteção de Dados que entra em vigor no ano que vem, mas o fato é que esses bancos da dados podem ser vendidos”, explicou o superintendente Eduardo Schröder.

Ligações para consumidores seriam feitas próprias instituições

A Tribuna procurou as instituições citadas. Todas as entidades afirmaram manter relação de parceria com a Oi, para desconto de doações nas contas telefônicas, mediante autorização prévia dos clientes. A informação é que quem faz as ligações solicitando as doações são atendentes de telemarketing das próprias instituições, e as gravações contendo autorizações são encaminhadas à Oi. Já a operadora de telefonia declarou que “as doações recolhidas nas faturas telefônicas ocorrem mediante autorização do cliente. A companhia acrescentou que realiza auditoria dos aceites dos clientes de todos os parceiros e que vai averiguar os casos mencionados pela reportagem”.

Resposta da AACI

A AACI informou ainda que, conforme determinado em contrato, uma parte da arrecadação fica com a Oi. O restante seria aplicado integralmente em despesas, como pagamento de pessoal, aluguel, luz, água, internet, alimentação, material de consumo e expediente, materiais pedagógicos. A entidade afirma que é uma organização sem fins lucrativos, que atende atualmente a 80 crianças, que recebem o acompanhamento de educadoras sociais e profissionais do serviço social da instituição. Enfatiza ainda que possui registros no Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente e título de utilidade pública municipal. Foi contemplada este ano com recursos do Criança Esperança, troco solidário de lojas e supermercados. O dinheiro permitiu a mudança da sede para novo espaço, com capacidade de atendimento a 120 crianças e adolescentes diariamente. Além dos atendimentos aos inscritos no projeto, a entidade diz que pretende ofertar aulas de dança, música, artesanato e outras.

LBV

Para a LBV, a parceria com a empresa Oi “garante maior segurança, agilidade e redução de custos no recebimento das doações”. A entidade afirma que a operadora cobra “um valor mínimo pelo custo operacional”. Por nota, destaca, ainda que, ao longo dos 70 anos de trabalho, sendo há 63 anos em Juiz de Fora, construiu sua própria base de doadores, sendo mantida por campanhas, eventos e parcerias. “Todos os recursos arrecadados são aplicados nos serviços e programas socioassistenciais que a Entidade realiza em Juiz de Fora.” A LBV explica que, para a captação de recursos, dispõe de uma central de relacionamento informatizada e “atua de acordo com os padrões exigidos pela legislação, com controles rígidos de qualidade”. Em Juiz de Fora, a LBV possui um centro comunitário de assistência social no Bairro Santo Antônio. A instituição informa promover serviços e programas de convivência e fortalecimento de vínculos, com oferta de atividades diversas voltadas para crianças, adolescentes e idosos, além de campanhas de mobilização social para complementar a renda das famílias assistidas.

Lar de Maria

Segundo a Instituição Beneficente Lar de Maria, sua relação de parceria com a operadora acontece há oito anos, e “a Instituição não tem acesso à lista de clientes da Oi, contudo, consegue identificar quais de seus contribuintes são assinantes da Oi através do número telefônico.” Em nota, a entidade destaca que a empresa possui despesas com funcionários, “relacionadas ao processo administrativo através do qual audita as gravações, processa e critica os dados, valida processos e operacionaliza a programação da doação.” Em função desse serviço, uma pequena parte da doação é direcionada à operadora de forma a viabilizar a cobertura de seus custos. Diz ainda que a conduta da instituição ao solicitar as doações é “apresentar de forma clara e transparente à que se dedica a causa da Instituição, esclarecendo que o projeto atende a mais de 1.300 pessoas entre crianças e adolescentes com idades entre 3 meses e 16 anos, em situação de vulnerabilidade e que realiza esse trabalho há 56 anos”. A instituição informa prover alimentação, compra de uniforme e materiais escolares, desenvolvendo oficinas que ajudam no desenvolvimento das crianças, além de atender a mais de 750 famílias. “São essas contribuições (de pessoas físicas) que sustentam a Instituição”, afirma, reiterando que 100% das arrecadações são revertidas para a viabilização de sua causa.

Advogado afirma responsabilidade da operadora

Já para o advogado da Associação dos Aposentados de Juiz de Fora, Rafael Cunha Silvério, no entanto, a empresa de telefonia também tem responsabilidade sobre a cobrança e deve comprovar que o idoso requereu essa doação. “A cobrança de doação (pagamento facultativo) no mesmo boleto da cobrança pelos serviços prestados pela operadora (pagamento contratual obrigatório) pode ludibriar o idoso presumido hipossuficiente pelo Estatuto do Idoso e prejudicar o registro de sua autonomia de vontade. Assim, o idoso lesado poderá ter a seu favor a inversão do ônus da prova (ou seja, a empresa deve provar que houve autorização da doação) e a restituição em dobro da parcela que não anuiu, além dos danos morais provenientes à aflição sofrida. No caso, o idoso já tem uma relação de consumo com a operadora e, por isso, a mesma é responsável pelo que cobra e pelos danos eventuais que causar dessa cobrança”, explicou o advogado, que é também conselheiro do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa (CMDPI).

O advogado ressaltou ainda a invalidade de uma gravação como forma de contrato, considerando a vulnerabilidade do idoso enquanto consumidor. “Em se tratando de pessoa idosa hipossuficiente, a abordagem pedindo por doações não pode ser feita por telefone, devendo qualquer contratação e autonomia de vontade ser devidamente registrada por escrito para devida e eventual análise posterior”, ressalta. Nesses casos, o advogado Rafael Silvério recomenda que o idoso que se sentir lesado, deve procurar o Procon e eventualmente um advogado ou defensor público para ser ressarcido na justiça. “Nos outros casos, o idoso lesado deve procurar os canais legais de fiscalização como a Delegacia do Idoso ou a Comissão de Fiscalização e Direitos do CMDPI para análise do caso concreto.”

Sem prova, caso pode ser estelionato

Patrícia delegada
Delegada Patrícia Ribeiro diz que se a pessoa tiver certeza de que não deu autorização, ela pode procurar a polícia (Foto: Fernando Priamo/Arquivo TM)

Segundo a delegada Patrícia Ribeiro, responsável pelo Núcleo de Atendimento ao Idoso, nem todo idoso seria incapacitado de fazer decisões financeiras por conta de sua idade. “Tem idoso que é lúcido e tem capacidade de gerir os próprios bens e a própria vida, outros não tem, e são curatelados”, explica. No entanto, caso não haja prova de autorização de doação pelo titular, seja por escrito ou verbal gravada, a empresa pode ser indiciada por crime de estelionato. “A maioria dos estelionatos realmente já é direcionada para a pessoa idosa, pela própria vulnerabilidade e falta de conhecimento, podendo ser uma presa mais fácil. Se a pessoa tiver certeza de que não deu autorização, ela pode procurar a polícia, pois com certeza é um crime embutido na atuação da instituição. Mas se ela autorizou e, de alguma forma se arrependeu, a pessoa tem o direito de voltar atrás e pedir o cancelamento.”

Para que possam se prevenir contra crimes de estelionato, a delegada recomenda que os idosos não repassem nenhuma informação pessoal por telefone, “principalmente de conta bancária, e não dê nenhuma autorização que não seja assinada. Muitas vezes quem liga já tem as informações, e a pessoa vai confirmando, mas a instituição bancária (por exemplo) não liga para a casa ou o celular da gente. É preciso ter cuidado.”

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