Fechamento de grandes livrarias aponta mudança no setor
No Brasil, uma livraria encerra suas atividades a cada três dias; lojas intimistas e nichadas podem ser solução
Na última semana, a livraria Saraiva fechou as portas da sua unidade em Juiz de Fora. A rede, assim como a Cultura, está em recuperação judicial e fechou diversas lojas no Brasil nos últimos anos. Dados da Associação Nacional de Livrarias (ANL) mostram que em 2014 existiam 3.095 livrarias no país; em 2021, eram 2.200. Isso significa que, no Brasil, uma livraria encerra suas atividades a cada três dias, em média. Essa estatística pode ser atribuída a uma série de fatores e preocupa os amantes de livro, que perdem os espaços de convivência, assim como os comerciantes desses espaços. O fechamento das unidades de grandes livrarias, no entanto, pode apontar uma mudança comercial do setor, privilegiando outros modelos de negócio.
A economista e professora de Master in Business Administration (MBA) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni enxerga esse cenário como emblemático para entender a sociedade atual. Em sua visão, é observado atualmente que ocorre um fechamento das unidades das grandes redes, mas, em paradoxo, a abertura de algumas pequenas unidades com modelos de negócio nichados. Ela explica que, no caso das grandes redes, é preciso entender que o modelo de negócio conta com grandes gastos, e sofre mais com a concorrência de grandes marketplaces. “No caso da Livraria Cultura, em São Paulo, por exemplo, há um custo enorme do aluguel daquele espaço e do IPTU. Você vai tendo despesas administrativas que, se esse negócio tem uma redução de venda, começa a se complicar”, exemplifica. Em sua visão, é preciso notar também uma mudança de comportamento do público, que passou a ser bombardeado com informações na internet, causando também mudanças na capacidade de foco e uma predileção por vídeos. “A forma que as pessoas absorvem conhecimento está mudando, e isso também impacta o mercado editorial”, diz.
Ela revela que, ao longo da pandemia, a situação foi ainda mais complexa para esses casos, apesar do aumento da venda de livros em 2021. “Essas redes tiveram que rapidamente melhorar os seus sites e seu sistema de entregas para vender mais on-line. Os marketplaces também contribuíram para isso, porque você não precisa se deslocar, não importa onde você mora, o livro chega no máximo em dois dias na sua casa. É impossível competir com esse sistema de entregas”, diz. Já na reabertura do comércio, Carla enxerga que o aumento da desigualdade social, ameaças à segurança e dificuldades impostas aos pedestres tornaram a recuperação mais complexa. Ela destaca, ainda, que o que precisa ser pensado é uma “reestruturação do próprio negócio como um todo”. Como solução, em sua visão, seriam unidades menores, em locais com segurança e pedestres circulando. “Mas precisamos pensar também no leitor, quem ele é e porque diminuiu, e também no surgimento dos livros digitais”, ressalta.
De acordo com o censo do livro digital de 2020, o conteúdo digital representava 6% do mercado editorial brasileiro. Mesmo assim, essa pesquisa de conteúdo digital mostra que o faturamento das editoras apresentou um crescimento nominal de 43%. “O advento do e-book ainda não é tão expressivo a ponto de fazer uma mudança radical no universo literário. Isso significa que o mercado de e-books provavelmente vai ter um sucesso maior no segmento de livros didáticos, por conta da comodidade do transporte e a faixa etária do público, que é mais jovem e está mais apto às mudanças das novas tecnologias”, afirma Carla. Por isso, para ela, o fundamental para incentivar esse mercado é investir em uma reestruturação que passa por estímulos da leitura desde a infância, incentivo das escolas e uma dedicação das famílias para mostrar a importância da leitura.
Exemplos que resistem
Nesse cenário, há exemplos de livrarias que conseguiram se consolidar no mercado através de caminhos que se diferem dos das grandes empresas. Como Carla explica, há uma tendência por espaços que contam com algum tipo de associação, ou seja, fazem com que a experiência não seja apenas sobre livros. “Essas livrarias têm ambientes agradáveis, vendas específicas que têm a ver com o público (como artesanato mais elaborado), geralmente um café e mesclam segmentos. Criam todo um discurso ao redor do livro, e fazem com que ir à livraria volte a ser realmente um passeio”, diz.
Como Poliana Oliveira, sócia e responsável pelas redes sociais da Atena Bookstore, explica, foi preciso investir no próprio nicho para conseguir se diferenciar. “Temos um foco de curadoria em livros usados de literatura clássica e arte. Então, o perfil das pessoas que nos procuram é de pessoas que gostam desses nichos, que querem edições bonitas e mais antigas, livros de história da arte e também os produtos secundários que nós criamos, como canecas, lápis, reproduções de quadros etc”, afirma. A loja já está no mercado desde 2015 e, desde então, conta que o principal desafio enfrentado foi mesmo o período do lockdown. Na ocasião, a solução foi intensificar o uso das redes para se comunicar com clientes e também trabalhar junto com os marketplaces, vendendo através desses sites seus livros. “Acho que desde 2020, com a pandemia, as pessoas têm priorizado um atendimento intimista e lugares mais aconchegantes”, disse.
Já no caso da Livraria Palavras e Ideias, com foco no público infantil, o período mais desafiador foram os primeiros anos, pois a loja tinha pouco investimento para funcionar. Já há 18 anos no mercado, no entanto, Clérison Rocha, proprietário da livraria, revela que é fundamental que os clientes cheguem através da divulgação nas escolas. “A livraria tem frentes de lojas dentro das escolas, o que aproxima os livros dos leitores e divulga bastante a loja. Também fazemos um trabalho no Instagram desde a pandemia e tivemos um crescimento bem interessante por trabalharmos exclusivamente com literatura infantil”, diz. Ele ainda destaca que, para que a loja cresça mais, há necessidade da aprovação de uma lei como a Lei Cortez, que foi proposta pela então senadora Fátima Bezerra (PT) em 2015. Essa lei foi inspirada na Lei Lang, que funciona na França há mais de 40 anos e exige que o preço de capa tenha uma precificação única, sendo referência para livreiros e revendedores dentro do país. Os apoiadores do projeto defendem que essa pode ser uma medida para proteger as livrarias independentes da concorrência desleal com as grandes empresas e e-commerces, deixando os preços praticados mais próximos.
Livrarias: papel de formação cultural
Além das livrarias movimentarem a economia, elas também têm um papel de formação cultural para as pessoas. A economista Carla Beni explica que há uma importância em todas as sociedades de terem um repositório do conhecimento, e por isso todas as cidades têm as suas bibliotecas. “É uma forma de fazer uma manutenção do conhecimento e do saber humano, que é representado pelos livros nessas grandes bibliotecas. Por consequência, você tem as livrarias que produzem todo esse material”, diz. Para ela, a importância chega a ser tanta que há casos em que a livraria se torna um lugar turístico, como no caso da Bertrand, que foi fundada em 1732 em Lisboa e faz parte de diversos roteiros de passeios pela cidade.
Para essa formação cultural, ela explica que é possível que esse estímulo também precise do Estado, através da criação de programas específicos de estímulo à leitura, para que isso também crie um público que demande das livrarias. “O que falta, agora, é resgatar políticas públicas que estimulem o leitor e inclusive o mercado editorial. A biblioteca pública é um lugar importantíssimo em trocas sociais, então é preciso que as prefeituras façam programas de troca, feiras de livros e eventos que unam a sociedade em torno do hábito da leitura, fazendo que isso alimente de forma indireta o mercado editorial”, afirma.