Consumo recua diante de recessão

Paulo Feldmann diz que queda na arrecadação pode gerar ‘bola de neve’

Rebeca Palis, do IBGE, alerta para chance de revisão nos números do PIB

Lourival Batista vê perigo para o nível de emprego e para o ganho real
Poucas vezes na história da economia brasileira a palavra recessão ganhou tantas variações. A definição mais recente – recessão técnica -, trazida à tona em função do resultado negativo do Produto Interno Bruto (PIB) por dois trimestres consecutivos, vem gerando debates acalorados, alimentados pela falta de consenso sobre a sua existência, de fato, ou não. O motivo é que, apesar de a retração da atividade econômica ser inconteste, ainda não é acompanhada pelo aumento da taxa de desemprego, um dos seus principais reflexos esperados. Fato é que, independente da definição, o momento econômico atual tem provocado impactos claros no dia a dia da população. A cautela no consumo é a consequência mais visível, longe de ser a única.
O professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Feldmann, não tem dúvidas. Para ele, vive-se sim um momento de recessão, atípica. Diferente de outros países mundo afora, a recessão brasileira apresenta um fato novo que é a ausência do desemprego ou o desemprego baixo. “Não dá para ficar contente com isso, porque, em função da recessão, as empresas estão produzindo menos. A queda da produção sinaliza, para o meio empresarial, que não é hora de investir.” Em entrevista à Tribuna, Feldmann explica que já foram criados problemas imediatos para o país, como a queda na arrecadação de impostos. Com o impacto nos cofres públicos – e se não houver corte de despesas -, o Governo ficará sem condições de investir na economia, que seria um instrumento para reverter o quadro, explica. “Esse é o grande problema da economia brasileira, pode virar um bola de neve.”
Segundo o professor da USP, entre os consumidores, um reflexo já percebido é a redução visível no consumo e o aumento das queixas de comerciantes e prestadores de serviços. “Basta dar uma volta na rua para perceber que o movimento está muito fraco.” Na sua opinião, outro impacto, que poderia explicar a recessão com “pleno emprego”, é que jovens sem colocação não estariam procurando novas vagas, já que estariam vivendo com a ajuda financeira da família, possível com o crescimento da renda da Classe C. Daí a falta de reflexo nos indicadores do emprego formal, apesar da estagnação econômica. “Só pode ser isso.” Feldmann lembra que, nem em 2009, quando o país sentiu de forma mais evidente os reflexos da crise financeira internacional, houve dois trimestres consecutivos com PIB negativo.
Desindustrialização
Na opinião do professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Luciano Carvalho, apesar de a recessão técnica estar configurada, para diagnosticar processo de recessão na economia é preciso que a retração da atividade econômica seja acompanhada por aumento da taxa de desemprego e de falências, assim como queda (em termos reais) da renda das famílias e do lucro das empresas. “Não se pode afirmar que irá acontecer no futuro.” Segundo Carvalho, apesar da falta de consenso sobre a recessão, é unânime a avaliação de que a economia brasileira tem apresentado baixas taxas de crescimento. “Este desempenho se deve a baixa competitividade do setor industrial brasileiro. A indústria vem passando, há mais de uma década, por um forte processo de desindustrialização, causado, em parte, pelo câmbio sobreapreciado”, explica.
Conforme o professor, as baixas taxas de crescimento desestimulam novos investimentos e aumento da produtividade, o que tende a acentuar a falta de competitividade do setor industrial e o processo de desindustrialização. “Para as famílias, este quadro deprimirá o consumo e aumentará a inadimplência. A perspectiva de aumento real dos salários, como ocorrido nos últimos anos, ficará cada vez mais distante.” Caso o quadro se prolongue, explica, o consumidor, no seu dia a dia, verificará tendência de elevação nos preços de bens e serviços, maior diversidade de produtos importados na cesta e mercado de trabalho menos “auspicioso”, com aumento da taxa de desemprego, redução dos salários reais e do poder de compra.
Inadimplência pode frear oferta de crédito
A concessão de crédito, na opinião do professor da UFV Luciano Carvalho deve ser reduzida, mediante o provável aumento da inadimplência. A inflação represada em função de “congelamentos” das tarifas de energia, transporte e preço do petróleo tenderá a ficar perto do teto da meta (6,5% ao ano). Em função da pressão inflacionária, é provável que a taxa de juros gravite em torno do atual patamar de 11% ao ano. Para o economista, a melhor forma de o consumidor se proteger diante deste quadro de “semiestagnação” é reduzir o consumo. “Com os recursos extras poupados com a redução do consumo, caso esteja com dívidas, a melhor opção é buscar amortizá-las. Do contrário, sugiro que aplique em ativos, como a poupança.” Na sua opinião, a tendência para os próximos dois trimestres é de crescimento positivo de 0,5 a um ponto percentual, fazendo com que a economia neste ano apresente crescimento próximo a 0%.
Revisão
Longe das discussões acerca de definições para o momento econômico atual, a gerente de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, adverte que os resultados do PIB no primeiro trimestre (-0,2%) e no segundo trimestre (-0,6%), na comparação com o trimestre imediatamente anterior, podem ser alterados na revisão realizada pelo órgão. Para o IBGE, variações inferiores a 0,5 ponto percentual são consideradas estabilidade. Assim, a oscilação de -0,2% (1º trimestre), por estar abaixo desse percentual e muito próximo a zero, pode passar para um número positivo, o que desmontaria a teoria de recessão técnica. No desempenho do segundo trimestre, isso não deve acontecer, já que ultrapassou a marca de 0,5 ponto percentual e foi considerado queda. Segundo Rebeca, alguns motivos para a redução do PIB, especialmente no segundo trimestre, foram menos dias úteis e aumento da taxa de juros, além do desaquecimento da indústria.
Desemprego a médio prazo
Na cidade, economistas também identificam movimento atípico na macroeconomia, com alguns reflexos sentidos de forma potencializada pelos juiz-foranos. O diretor da Faculdade de Economia da UFJF, Lourival Batista de Oliveira Júnior, considera a situação econômica “muito peculiar”, em que a taxa de crescimento do emprego formal se mantém baixa, mas positiva no país, mesmo com indicadores de desaceleração econômica, especialmente nos últimos meses. “O quadro acaba gerando uma expectativa de que, em determinado momento, as taxas de geração de emprego vão se transformar em destruição de postos de trabalho, com admissões menores do que desligamentos.” Enquanto, no país, a expansão foi de 1,56% no emprego formal, com acréscimo de cerca de 632 mil novas vagas entre janeiro a julho deste ano, em Juiz de Fora, no mesmo período analisado, as perdas de empregos formais prevalecem no resultado anual, negativo em 499 oportunidades, bem divergente do mesmo período de 2013, quando foram criados 1.793 postos, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Para Lourival, a situação de “pleno emprego” apresenta sinais “evidentes” de aumento da possibilidade de desemprego à médio prazo. “Isso abriria espaço para a recessão se configurar.” Caso o quadro se confirme, avalia, seria prejudicial ao trabalhador, que teria potencializada a chance de redução de ganho real, de se manter empregado e de permanecer no mercado consumidor. Para os próximos meses, Lourival aposta em continuidade no processo de desaceleração, seja de forma mais ou menos severa.
Na opinião do coordenador dos cursos de Economia e Administração das Faculdades Integradas Vianna Júnior, Silvio Reis de Almeida Magalhães, o país poderia estar em situação “muito pior” , caso a geração de emprego à nível nacional e a renda estivessem em queda. Na sua opinião, a recessão existe, mas é branda. Para Silvio, não é mais possível dissociar o país do restante do mundo, nem conter os reflexos de forma globalizada. “É uma vitória o país enfrentar uma recessão mundial desde 2012 e só agora começar a sentir os efeitos dessa crise.” Sobre os efeitos práticos aos juiz-foranos, Silvio comenta que os consumidores já começam a perceber que os preços estão subindo, sem a devida contrapartida dos ganhos salariais. Um sinal, opina, é a preferência pelas compras de mês, para estocar, como forma de economizar no final das contas. “A população está muito mais informada, atenta e precavida.”