Produtos da Serasa são suspensos por venda de dados sem autorização
Promotoria acusa órgão de compartilhar informações pessoais de brasileiros por R$ 0,98 a qualquer empresa com fins publicitários
O desembargador César Loyola, da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, determinou a suspensão da comercialização de dados pessoais por meio dos produtos ‘Lista Online’ e ‘Prospecção de Clientes’, oferecidos pelo site Serasa Experian. O magistrado viu ‘grave risco de lesão com o compartilhamento de dados sem autorização’, destacando a ‘enorme base de dados’ da empresa, que, segundo o Ministério Público do DF, concentra informações de mais de 150 milhões de pessoas. Loyola impôs ainda multa de R$ 5 mil para cada venda realizada pela empresa, em caso de descumprimento.
A decisão foi divulgada nesta semana, no âmbito de ação em que a Promotoria do Distrito Federal argumenta que a Serasa Experian ‘está vendendo os dados pessoais de brasileiros para empresas interessadas em prospectar novos clientes, sem que exista qualquer tipo de conhecimento por parte dos titulares das informações’.
“Venda de dados para fins publicitários das empresas contratantes, sem que o titular do CPF tenha qualquer tipo de relação contratual com a compradora de seus dados. Ou seja, por R$ 0,98, a Serasa vende o núcleo da privacidade do cidadão brasileiro, consistente em nome, endereço, CPF, três números de telefones, localização, perfil financeiro, poder aquisitivo e classe social, para qualquer empresa interessada”, registra a petição inicial do MPDFT.
A ação coletiva registra que as atividades do Serasa feririam dispositivos da Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet e seu respectivo regulamento, além da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, sendo que todas as normas tratam da ‘inviolabilidade da intimidade, privacidade e honra’.
O argumento do MPDFT é o de que a LGPD garante ao titular dos dados o poder sobre trânsito e uso das informações pessoais além de impor a necessidade de ‘uma manifestação específica para cada uma das finalidades para as quais o dado está sendo tratado’, por isso a venda, nos moldes feito pelo Serasa, seria ‘ilegal/irregular’, uma vez que ‘fere o direito à privacidade das pessoas, bem como seus direitos à intimidade e à imagem, o que inclui o direito à proteção de seus dados pessoais, bem como que o seu respectivo tratamento seja feito de forma adequada’.
“A situação é ainda mais grave, pelo fato de a Serasa Experian ter respaldo legal para o tratamento de dados desta natureza para fins de proteção do crédito. Entretanto, as permissões não contemplam os usos apontados pela investigação”, registrou a Promotoria em nota.
A ação chega ainda a citar ‘uma preocupação adicional’ – as eleições 2020. “É sabido que números de telefones celulares podem ser usados para disparos em massa durante a Eleição de 2020, algo que vem sendo coibido pelo Tribunal Superior Eleitoral, inclusive com a criação de um canal de denúncias”.
‘Direitos afrontados’
Considerando que a situação configura ‘grande incidente de segurança monetizável’ ou ‘vazamento de dados’, a Promotoria pediu à Justiça que suspendesse a comercialização de dados até o julgamento final da ação. “Não se pode permitir que, até lá, direitos fundamentais constitucionalmente garantidos aos cidadãos continuem a ser afrontados”, registrou o MPDFT.
O argumento foi acolhido pelo desembargador César Loyola, que ressaltou que a atividade desenvolvida pela Serasa Experian configura tratamento de dados pessoais, estando a empresa submetida à LGPD.
“Embora o artigo 7º, inciso X permita o tratamento ‘para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro’, expressamente aponta, em sua parte final a prevalência dos ‘direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais’. Além disso, mesmo que se trate de informações ‘habitualmente fornecidas pelos sujeitos de direitos nas suas relações negociais e empresariais’, a lei de regência indica necessidade de autorização específica para o compartilhamento”, ponderou.
“Acrescente-se que, não obstante sejam fundamentos da disciplina da proteção de dados pessoais (artigo 2º), o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação (V), a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor (VI), da mesma forma são valores fundantes o respeito à privacidade (I), a autodeterminação informativa (II) e a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem (IV), razão pela qual todos devem ser compatibilizados”, seguiu ainda o desembargador.
Procurada pelo Estadão, a Serasa Experian afirmou que “cumpre rigorosamente a legislação vigente. Trata-se de decisão provisória, sem que a Serasa tenha sido ouvida previamente e sobre a qual ainda não fomos intimados. Vamos nos manifestar oportunamente nos autos do processo.”