Anvisa alerta para uso de substância tóxica em slime caseiro
Especialistas consultadas pela Tribuna falam sobre os sintomas em caso de contaminação por manuseio indevido e dão orientações
Quem utiliza as redes sociais já deve ter conhecido o slime, uma geleca colorida que tem encantado crianças. Há vídeos em que é estimulada a produção do brinquedo em casa, por meio de tutoriais sobre como fazer o brinquedo. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no entanto, lançou um alerta sobre os riscos do uso da substância bórax, também conhecida como borato de sódio, que, segundo a agência, vem sendo utilizada e vendida de forma inadequada como ativador de slime. A substância, inclusive, não é regulamentada pela entidade e é um produto químico autorizado para diversas finalidades, como na produção de fertilizantes, produtos de limpeza e até mesmo medicamentos. Para entender a gravidade da substância, a Tribuna consultou especialistas, que esclareceram como age a substância e quais são os sintomas decorrentes de contaminação.
Segundo a professora do Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernanda Bombonato, o bórax apresenta risco à saúde se for usado em grande quantidade, mas na produção caseira do slime é comum a utilização de uma solução de água boricada, que teria baixa concentração de bórax. “Nos relatórios da Anvisa está descrito que a intoxicação pode ocorrer em adultos quando o bórax é ingerido em uma quantidade entre 4g a 8g. Ou seja, quantidades menores que essa, em adultos, não oferecem risco de intoxicação. Quando o slime é feito em casa, é utilizada uma solução com baixa concentração de bórax (3%), ou do tetraborato de sódio, que é vendido em farmácia. Mesmo assim, as crianças são mais facilmente contaminadas, porque, como a solução é mais absorvida por mucosas do que pela pele, se a criança passar as mãos nos olhos ou na boca, ela estará se contaminando, e o uso prolongado do produto causa problemas”, adverte.
A professora alerta ainda que muitas receitas de slime não indicam a quantidade do ingrediente que deve ser usada. “Quando se está fazendo a receita, essa solução de água boricada serve como um catalizador da reação de polimerização, que faz o efeito de geleca. Sem quantidade especificada, a criança vai colocando o produto até observar a formação do slime, então, muitas vezes, coloca-se a solução em excesso. Essa quantidade também depende da qualidade da cola que está sendo usada: se for boa, o polímero vai se formar rapidamente e precisará de menos água boricada, mas se a qualidade da cola for ruim, pode haver excesso da solução.”
Manuseio exige cuidados
Tratando-se de produtos químicos, é importante lembrar que toda substância química oferece risco no seu manuseio, exigindo certos cuidados. “Inclusive, quem trabalha com bórax o tempo inteiro tem que usar luva se estiver na forma de solução e, se for na forma sólida, tem que usar máscara, por risco de inalação”, observa a professora, que também faz parte do grupo de divulgação científica Divulga Química, que esclarece para a população o uso correto de produtos químicos e seus riscos (@divulgaquimica). “Há vários procedimentos disponíveis na internet, mas o ideal é que o slime seja feito com produtos não derivados do tetraborato. Algumas receitas utilizam espuma de barbear, condicionador ou até amaciante de roupa, mas como todos esses produtos oferecem algum risco para crianças, todo procedimento tem que ser acompanhado por um adulto responsável, pois podem causar intoxicação ou reação alérgica. O ideal é que os pais comprem o slime pronto ou o kit próprio para a fabricação do brinquedo, ao invés de fazer de forma caseira”, recomenda.
Substância pode desencadear sintomas alérgicos
A alergista e imunologista Júnia Baesso chegou a atender, em seu consultório, dois casos de broncoespasmos desencadeados pela inalação das substâncias químicas de slime caseiro. “A água boricada pode provocar irritabilidade na mucosa de vias aéreas inferiores e superiores, através da inalação, levando a manifestação de tosse seca (dispneia), falta de ar, sensação de ardência nas narinas e na faringe. Com a manipulação indevida do produto, também é possível ocorrer reações de contato, como dermatite nas mãos, coceira e vermelhidão local”, explica.
Segundo a médica, os quadros respiratórios geralmente são mais graves e precisam de atendimento médico de urgência. “Tenho orientado aos pais a evitar esse tipo de brinquedo, principalmente para crianças com histórico de atopia/alergia. Os casos de broncoespasmos pós-manipulação de slime que diagnostiquei, até o momento, foram por slime caseiro e não o comprado. Mesmo sob supervisão de um adulto, há riscos para a saúde, principalmente para as crianças menores e as atópicas, tanto na produção como no manuseio do slime”, adverte.
Já a Anvisa alerta ainda que “o uso inadequado do bórax pode provocar ainda náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarreia com coloração azul/esverdeada, cianose (pele, unhas e lábios azulados ou acinzentados) e queda de pressão, perda da consciência e choque cardiovascular”. Em 2002, a agência proibiu um brinquedo chamado “Meleca Louca” por causa da presença do bórax, ressaltando que o uso da substância deve ser restrito para as finalidades autorizadas e nas doses recomendadas pelas autoridades competentes.