Abaixo o silêncio


Por MAURO MORAIS

30/12/2012 às 07h00

Genioso e destemido, Rubem Braga, em alguns momentos, deixou-se ocorrer em extrema sensibilidade. Na crônica Despedida, presente no livro A traição das elegantes, de 1967, falou com emoção sobre um adeus, ora compreendido como um desenlace amoroso, ora como um desfecho da vida. No meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval, anuncia logo no início do texto. À certa altura, quando o leitor vislumbra um elo romântico, o autor sugere outra interpretação: Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

Cerimonioso e incrivelmente atento ao trivial, o homem que aos 77 anos despediu-se dos amigos em reunião fechada e transferiu-se, no dia seguinte, para um quarto de hospital a fim de morrer sozinho, completaria 100 anos no próximo dia 12 e inaugura a agenda de comemorações de centenários de nascimentos que preenchem 2013 em diversas áreas da arte.

Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, Rubem Braga era chamado por Stanislaw Ponte Preta, o Sérgio Porto, de sabiá da crônica, e ao longo de sua carreira lançou mais de duas dezenas de coletâneas de crônicas, gênero de pouco prestígio na literatura. Segundo a secretária de cultura de Cachoeiro, Cristiane Paris, para o próximo ano estão previstas diversas atividades comemorativas, como a exposição Rubem Braga, o fazendeiro do ar, inaugurada no dia 29 de janeiro no Palácio Anchieta, sede do governo do estado, em Vitória; o lançamento do site da exposição, do selo em homenagem ao centenário e do livro O olhar do Braga sobre o Cachoeiro, com 36 crônicas do escritor sobre sua cidade natal. Rubem Braga foi nosso artista mais generoso com Cachoeiro. Em nenhum momento depreciou a localização interiorana e a simplicidade da cidade, defende Cristiane.

Também aclamado no meio literário, o franco-argelino Albert Camus, morto em 1960 num acidente de carro, é o centenário francês mais polêmico. Prêmio Nobel de Literatura em 1957, o escritor teve uma exposição comemorativa cancelada em Aix-en-Provence, onde fica uma grande parte de seu acervo, por questões políticas que sempre pautaram sua produção – Camus era um grande defensor da independência argelina, apesar de apoiar a relação do país africano com a França.

Entre a literatura e a música, Vinícius de Moraes impactou as duas de forma semelhante. O poetinha, autor de sambas memoráveis em parceria com Baden Powell e de sonetos apaixonados, também se lançou ao teatro com Orfeu da Conceição, peça histórica, referência até mesmo para o presidente norte-americano Barack Obama. Entre os muitos eventos previstos para o próximo ano, estão shows, exposições e espetáculos teatrais. Responsável por toda a programação de homenagem aos 100 anos de Vinícius, a produtora Geo Eventos, de São Paulo, irá divulgar a agenda festiva no final de janeiro.

Voz verde e rosa, Jamelão também completaria um século de vida. Autor de sambas de primeira linha, como Leviana, eternizada na voz de Zé Keti, e Matriz ou filial, cantada por Nelson Gonçalves, o sambista ganhou popularidade ao se tornar o intérprete oficial da Estação Primeira de Mangueira. Ainda no mundo da música, tornam-se centenários os compositores Wilson Baptista, Ciro Monteiro e Paulo Tapajós, além do cantor da Era do Rádio Carlos Galhardo. Todos serão homenageados pela Banda de Ipanema, famoso bloco carnavalesco carioca.

A palavra saudade

Reconhecida pela grande beleza, que lhe rendeu importantes papéis no cinema, Vivien Leigh não conheceu a velhice. Premiada com Oscar pela interpretação de Scarlett O’Hara em E o vento levou, de 1939, e de Blanche DuBois em Um bonde chamado desejo, de 1951, Vivien morreu de tuberculose em 1967. Nascida em 1913, na Índia, a atriz é considerada pelo Instituto Americano de Cinema uma das 50 maiores lendas do cinema norte-americano.

Enquanto Vivien Leigh se despedia, o humorista Manoel de Nóbrega chegava ao topo do estrelato, entrando na casa de milhares de brasileiro com seu programa A praça da alegria, exibido inicialmente na TV Paulista e depois na Rede Record. Criador de O baú da felicidade, o humorista, que completaria 100 anos em 2013, foi o responsável pelo surgimento de grandes nomes da comédia nacional, como Ronald Golias, Consuelo Leandro, Costinha, Zilda Cardoso, Rony Rios, entre outros.

Também pioneira, mas nas artes plásticas, Tomie Ohtake chegará a um século de vida mantendo o vigor e a exuberância que pautam seu trabalho abstrato. Pintora, gravadora e escultora, a japonesa radicada em São Paulo prepara mostras retrospectivas para o instituto que leva o seu nome. De acordo com o Instituto Tomie Ohtake, está prevista para novembro, quando a artista fará aniversário, uma grande exposição inédita, que ocupará todo o espaço físico do museu. Autora de imponentes esculturas fixadas em espaços públicos, Tomie continua em franca produção.

Assinando obras não menos suntuosas, o juiz-forano Arthur Arcuri também integra a lista de artistas centenários de 2013. Formado pela Escola Nacional de Engenharia, em 1937, o engenheiro é o autor do projeto arquitetônico do Campus Universitário, assim como de diversas residências e monumentos da cidade. Celebrado nacionalmente, e um dos grandes orgulhos de Juiz de Fora, ele conviveu com os modernistas Di Cavalcanti, Portinari, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Burle Marx. Segundo Alice Arcuri, filha do engenheiro-arquiteto, existem muitos planos para comemorar a data, mas ainda não há nada definido. Em parceria com o professor da UFJF Marcos Olender, Alice pretende articular com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)- Núcleo Juiz de Fora, a Prefeitura de Juiz de Fora e a UFJF para concretizar uma agenda de homenagens.

Sob o imperativo de não deixar reinar o silêncio, os centenários que o país e o mundo comemoram no próximo ano confirmam a questão que Rubem Braga levanta em sua crônica Despedida: Que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?.

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