Dois casarões neocoloniais na região central são tombados
Testemunhos do passado assegurados para o futuro de Juiz de Fora: imóveis protegidos estão localizados nas ruas Gilberto de Alencar e Benjamin Constant
Em sua casa, no número 936 da Rua Benjamin Constant, no Bairro Santa Helena, José Procópio Teixeira Filho recebeu o convite para que se tornasse prefeito de Juiz de Fora, cargo que ocupou de 31 de dezembro de 1946 a 14 de dezembro de 1947. A proposta foi feita pelo então prefeito, Álvaro Braga, que, por sugestão do Governo de Minas Gerais, foi até a casa de Procópio Teixeira Filho, que à época tinha 47 anos e um grande prestígio social. Advogado por formação, havia sido diretor do Banco de Minas e do Crédito Real. Também dirigiu a Imobiliária Riachuelo, que loteou todo o Santa Helena, onde a família morava. Criado na Chácara do Gratidão, onde hoje funciona o Colégio do Carmo, Procópio Teixeira Filho seguiu atentamente as obras que ergueram um enorme casarão no lote onde funcionava a quadra de tênis da família. Preservado em decreto publicado nesta terça (29), o imóvel passa a integrar a lista de quase 200 bens imóveis tombados. Na mesma data a Prefeitura também tombou a edificação de número 20 da Rua Gilberto de Alencar, que se espraia pela Rua Marechal Deodoro, no número 833.
No prédio que faz a esquina da Rua Benjamin Constant com a Rua Dona Maria Helena (homenagem à matriarca da família Procópio Teixeira), o ex-prefeito também recebeu o diretor da Companhia Mineira de Eletricidade, Menelick de Carvalho, para uma discussão sobre o aumento da passagem dos bondes de São Mateus, que em 1947 passou de 2 para 3 tostões. Na sala da residência, ainda, o político definiu o apoio ao nome de Dilermando Cruz para sua sucessão na Prefeitura. Passada a experiência de seu proprietário no Executivo municipal, no entanto, a casa construída na década de 1930 manteve-se como imponente espaço da política local, junto de seu primeiro dono, morto aos 100 anos, em 1999, com um currículo extenso, com passagens como provedor da Santa Casa de Misericórdia, presidente do Sport Club e do Clube Juiz de Fora, além de cafeicultor e pecuarista.
“O fator histórico, de ter sido residência de um ex-prefeito, também se relaciona com o fator arquitetônico. São poucos os imóveis na cidade em estilo neocolonial hispânico”, aponta o historiador Fabrício Fernandes, da Divisão de Patrimônio Cultural (Dipac) da Funalfa, e representante da cadeira de patrimônio no Conselho Municipal de Cultura. Os muros baixos, com detalhes geométricos vazados e vértices se alternando, reforçam a imagem de forte que o casarão ostenta em sua lateral. Em sua fachada principal, a varanda é ornada por colunas manuelinas semelhantes a cordas retorcidas, o que se repete nas janelas e suas folhas treliçadas, além do desenho em alusão aos chafarizes coloniais sobre o peitoril. Ainda compõem os delicados detalhes da fachada pináculos sobre os frontões e uma roseta em argamassa sobre a varanda.
“Ela não tem uma delimitação de preservação no entorno para fora da construção, porque ela em si já tem um lote muito amplo, com uma implementação bem única na cidade”, indica Fernandes, chamando atenção para a extensão da construção e uma improvável interferência em sua paisagem. “Quanto ao neocolonial, cabe ressaltar que, em seu período de apogeu, esse estilo foi imensamente popular, sendo disseminado através de plantas padronizadas, através da influência do cinema hollywoodiano e de determinadas revistas da época. No entanto, se entre as décadas de 1930 e 1950 esse estilo espalhou-se por inúmeras ruas da cidade, atualmente, observamos o rápido desaparecimento destes imóveis”, conclui o dossiê que deu embasamento ao tombamento do casarão.
O longo processo de uma centenária
Aberto em 1997, o processo de tombamento do imóvel de número 20 na Rua Gilberto de Alencar, que atende também o número 833 da Rua Marechal Deodoro, é um dos mais longos em tramitação na história da Funalfa, que por anos teve o casarão como sua sede. Há 22 anos, o mesmo imóvel respondia pelo número 848 da Gilberto de Alencar. Em 1998 a família proprietária solicitou a impugnação do processo, que foi encerrado em 2000. Nove anos mais tarde, no entanto, o mesmo foi reaberto. E o resultado saiu nesta terça, quase um ano após a reunião que votou pelo tombamento. “No meio do processo a casa foi desmembrada, e foi preciso um novo estudo”, explica Fabrício Fernandes, justificando a mudança na numeração, que não resultou em interferência na estrutura da edificação, mas na burocracia dos documentos.
Construída entre 1906 e 1916 – há divergências quanto à data – a casa inicialmente era identificada como expoente do estilo eclético. Segundo Fernandes, as muitas reformas que sofreu no passar dos anos, porém, fez com que se apropriasse de elementos típicos do estilo neocolonial, com o qual é mais relacionada atualmente. Dentre suas curiosidades arquitetônicas está o cobogó nas varandas frontais e as janelas com jardineiras em balanço. Ainda na fachada principal, chamam atenção os vãos retangulares de ventilação para o alto porão e o beiral interrompido por frontões em volutas e ladeados por pináculos, acima de um medalhão central com azulejos, elementos decorativos que demonstravam o alto poder econômico dos donos. De acordo com o dossiê que embasa o tombamento do prédio, os detalhes se repetem no pátio interno e blocos posteriores. Testemunhas de uma Juiz de Fora de outros tempos, tanto o casarão da Gilberto de Alencar quanto o da Benjamin Constant ajudam a contar e a ilustrar a história.