Noah Mancini está em processo de lançamento de seu segundo livro “Estilhas”
Obra está em pré-venda, no site da editora Ascensão, até o dia 5 de outubro
Noah Mancini, lá no começo do ano, quando lançou seu primeiro livro “Excertos”, que reúne diversos contos mesclados com desenhos seus, já havia falado que é preciso seguir o caminho, e que ficar parado não leva a lugar nenhum. E Noah, realmente, não estagnou depois de apresentar sua primeira publicação. Agora, ele está em processo de lançamento de um segundo livro, o primeiro composto apenas por poesias. “Estilhas” está em pré-venda, no site da editora Ascensão, até o dia 5 de outubro. E Noah segue, com este livro, olhando para o cotidiano e encontrando poesia em cada detalhe.
Com 45 poemas reunidos em “Estilhas”, o juiz-forano e bacharel interdisciplinar em Artes e Design pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) faz mesmo uma estilha-escrita, a que Lorraine Pinheiro Mendes se refere na orelha do livro. Noah mostra seu cotidiano transposto em versos. Na verdade, em breve versos. E é a brevidade o que dá o tom ao livro. Não aquela esvaziada, mas a que chega a ser complexa: que acompanha os passos e os pensamentos gerais, de qualquer ser humano. Essa característica já foi, de certa forma, vista em “Excetos”, que traz contos também breves e igualmente complexos. Noah, então, com dois livros, tem assinatura.
E, como ele conta, “Estilhas” é quase como uma continuação de “Excertos”. Três ou quatro poemas saíram do primeiro livro. Ele até queria que esses versos entrassem nessa experiência-primeira. Mas a editora pediu que eles fossem extraídos, porque tratava-se, essencialmente, de um livro de contos. “Eu tirei e guardei. Eu lia, me identificava, achava engraçadinho, e tentei prolongar essa ideia do poema. E comecei a escrever versinhos por aí, pelas minhas andanças. E quando eu comecei a enxergar essas poesias no dia a dia e colocá-las no papel, parecia que quanto mais eu escrevia, mais o pulso e a ação de ver poesia reverberava na minha cabeça. Quanto mais versinho eu anotava, mais vinham. E eu anotava tudo, nessa ânsia de não perder mesmo as ideias. Eu fui capturando no ar”. A grande maioria dos poemas, depois desses três ou quatro primeiros, foi escrita entre abril e maio deste ano: estão frescos no papel e nas sensações de Noah.
O artista aposta na brevidade não só como estética, mas porque é o que, para ele, faz sentido, neste momento. “As poesias são tão curtas, às vezes, que se assemelham com haicais, nessa brevidade. São dinâmicas. Eu acho que também é um jeito de lidar com as coisas”. É, ainda, quase como um oposto do que ele considera uma “herança parnasiana”, de preocupação intensa com a forma, por exemplo. “Talvez essa forma parnasiana seja o motivo de várias pessoas apresentarem um pouco de preguiça ou não simpatizar tanto com a poesia. E eu acho que vim com uma poesia mais dinâmica, o que acaba possibilitando uma identificação com esse tempo que a gente vive, de tudo rápido, em que as coisas passam e a gente nem vê. Acho que essa brevidade da poesia, a narrativa curta, vem até muito da minha própria identificação com a poesia. Acho que pode gerar uma identificação maior do que o apego, às vezes, à formalidade e à rima.”
Os poemas foram mesmo surgindo desses fragmentos do olhar para a cidade, para os espaços e transformar tudo isso em poesia. “São fragmentos que a gente vai caçando e vendo como a gente pode tentar encontrar beleza, graça e leveza nessas coisas que são ‘banais’ no dia a dia.” Mas, para além dessas observações do cotidiano e desse quase reflexo em escrever, em pouco tempo, alguns outros poemas são fruto de críticas que ele escreveu para uma mostra performática que fez no Memorial da Vale, da qual ele foi, também, curador. “Como as críticas vinham dessa coisa de ter uma sonoridade, de repetir palavras, de repetir sinais parecidos, eu vi que tinha muito da poesia nelas. Eu quis perpetuar a existência desses trabalhos dentro da poesia. Porque a prosa e a crítica de arte podem vir a ser poemas”. No livro, esses poemas demarcam a quais obras os versos se referem.
“Nota desse processo cotidiano de viver”
Outra continuidade neste seu segundo livro, é a presença de desenhos assinados por Noah. Para ele, os desenhos conversam com os textos na medida em que são, também, um fragmento: “Anotações de um canto de caderno, experimentos que vão corriqueiramente servindo como nota desse processo cotidiano de viver”. E, mais uma vez, inserir esses desenhos no livro foi natural porque Noah é um artista multimídia, e as artes, para ele, fazem sentido porque conversam. “Gosto de escrever e de desenhar. Por que não juntar essas duas características do meu trabalho e fazer as palavras dançarem junto com os traços e os contornos, as rasuras. Eu gosto disso. E as artes são, de certa forma, indissociáveis, e nossas práticas, não só poéticas, mas de olhar o mundo, perpassam não só somente as linguagens artísticas em si, mas também questões sociais, históricas, geográficas – como tudo está conectado. E eu penso que tem alguns poemas em que eu falo sobre a própria criação, e outros têm nomes de rua, como essas memórias, a nossa própria história acaba conversando com vários campos de conhecimento, vários campos de expressão cultural.”
O segundo
Lançar o segundo livro possibilita uma experiência diferente. Mas a vontade latente em botar no mundo uma parte de si não muda. “Eu pude pesar algumas coisas e priorizar questões referentes ao lançamento desta vez. Ainda assim tem essa vontade de mandar logo, sem ficar guardando, ruminando aqui, porque acaba que a gente se desidentifica um pouco com o texto durante um tempo. Então, a gente precisa colocar no mundo até para deixar que outras coisas venham. Para respirar novos ares e fertilizar nossa cabeça com outras coisas. E a devolutiva da leitura dos outros também: deixar reverberar para a gente colher os frutos. Se a gente não plantar, o fruto nunca vem”. Noah tem a previsão de lançar o livro, de forma física, no final do ano, e promete lançamento presencial em Juiz de Fora.
TRECHOS:
Insônia
quarto escuro
corpo na cama
quase dormindo
barulho incessante
ouvido tudo tateia
à procura do som
era cupim
Praça Jarbas de Lery
Sábado à noite
Passei pela praça
Cotidiano
Adolescente
Noites e fins da semana
O drink barato
Descia beleza
na guela na praça
Lá transmutavam
Cabeças
E contratos de lealdade
Travados a todos ouvidos
Para lembrar dos tempos sem cerca
Pela estrada as vidas passam
o tempo passará
dando giros
sobre giros
o marco da volta
e da vida
eternamente circular
anamnese elementar
Adaptação de crítica de arte do autor sobre trabalho homônimo de Walla Capelobo